quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Dia 12 – Deixar morrer e deixar viver

Capítulo 3 – Farejando os fatos: O resgate da intuição como iniciação

Conto: Vasalisa.
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A sétima tarefa – Perguntar sobre os mistérios

“As perguntas desse estágio são as seguintes: perguntar e tentar aprender mais a respeito da natureza da vida-morte-vida e de seu funcionamento. Aprender a verdade acerca da capacidade de compreender todos os elementos da natureza selvagem (‘saber demais pode envelhecer a pessoa antes do tempo’).”

“Assim, essa atitude deixar morrer, deixar viver, é muito importante. Trata-se do ritmo básico e natural que as mulheres devem compreender... e vivenciar. Captar esse ritmo reduz o medo, pois prevemos o futuro, e os maremotos e marés vazantes que ele reserva.”

Eu aprendo bastante com os outros. E não é o tipo de frase arrogante, do tipo “sempre estou aberta para ensinamentos”. Não. Eu aprendo com os outros sem perceber, e sem estar nem ao menos disposta para isso. É impressionante como esses ensinamentos sempre vêm da pessoa que eu menos espero, de alguém que está perto de mim, mas que nunca dei nenhuma atenção.

Assim que li essa parte do livro me lembrei imediatamente de C.

C. trabalhou comigo há uns três anos atrás. Ela era o tipo de funcionária que fazia tudo nas coxas, mas nunca deixava de fazer. Não era de personalidade extrovertida, mas não era caladona também, apenas reservada. Estava lá todos os dias, mas nunca chamou a atenção de ninguém. Pouquíssimas vezes dava sua opinião, e mesmo assim, só quando era pedida. Eu percebia que ela era extremamente observadora, mas deveria guardar todas as suas análises para si mesma. Mas uma coisa fácil de perceber: ela não estava feliz naquele trabalho. Numa noite, ficamos apenas nós duas na empresa para realizar tarefas ainda não terminadas. Papo vem, papo vai, ela me solta o seguinte:

- Sabe Vero. Eu não posso reclamar na situação que eu estou. Porque se estou passando por tudo isso, significa que preciso aprender alguma coisa. Alguma coisa que vai me levar para o próximo ciclo da minha vida. As coisas são assim, quando a vida bate na cara da gente, é uma forma do Universo dizer ‘Ei, quero que você aprenda alguma coisa!’. Se estamos vivendo por muito tempo as mesmas situações e os mesmos problemas, é porque ainda não descobrimos qual é a missão desse período, ainda não aprendemos a lição de hoje. Então o que eu posso fazer, é meditar e tentar encontrar a lição escondida nas situações que tenho vivido. Já estou assim faz um certo tempo, e rezo para que eu aprenda e feche logo esse ciclo.

Vocês perceberam a verdade contida nas palavras dessa menina?

Sabe aquela história de que não seríamos o que somos hoje, que não faríamos o que fazemos hoje, se não tivéssemos vivido tudo o que vivemos? Vasalisa só passa para a etapa seguinte quando conlui a anterior. Na nossa vida é assim também. Então devemos vivenciar o ciclo do presente, aprender com as lições da vida e deixá-lo morrer para que um novo ciclo comece. É assim com o dia e a noite, com as estações do ano, com um jardim. A natureza funciona assim.

“Há uma quantidade determinada de coisas que todos deveríamos saber em cada idade e em cada estágio das nossas vidas.”

Então é nesse momento que, lembrando do sábio discurso de C, eu me lembro que tenho que relaxar. Relaxar não é se acomodar. Mas é saber que faz parte. As tempestades, as bonanças, as dificuldades e as recompensas.

“Nessa parte, a Yaga faz alusão a um outro conjunto de ciclos da vida feminina. À medida que a mulher passa por eles, ela compreende cada vez mais esses ritmos femininos interiores, dentre eles os ritmos da criatividade, da parição de filhos psíquicos e talvez de filos humanos também, os ritmos da solidão, da brincadeira, do descanso, da sexualidade e da caça. Não é preciso forçar nada; a compreensão virá. Algumas coisas precisam ser aceitas como fora do nosso alcance, muito embora elas nos influenciem e nos enriqueçam.”

Lição do Dia: vivenciando meus ciclos

Pendências: deixando morrer os planos que precisam morrer

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quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Dia 11 – Separar e entender

Capítulo 3 – Farejando os fatos: O resgate da intuição como iniciação

Conto: Vasalisa.
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A sexta tarefa – Separar isto daquilo

“As tarefas psíquicas da mulher são as seguintes: aprender a discriminar meticulosamente, a separar as coisas umas das outras com o melhor discernimento, aprender a fazer distinções sutis. Observar o poder do inconsciente e como ele funciona, mesmo quando o ego não está familiarizado. Aprender mais sobre a vida e a morte.”

“A separação relatada nessa história é do tipo que surge quando nos deparamos com um dilema ou com uma pergunta, mas sem que nos ocorram muitas idéias que nos ajudem a resolver a questão.(...) É um fenômeno o fato de uma pergunta feita quando a pessoa vai dormir, com a prática, suscitar uma resposta quando a pessoa desperta”

A maioria dos dilemas que eu vivo estão relacionados às minhas emoções. Como eu disse no primeiro post do blog, uma das conseqüências do limbo emocional é a dificuldade de aperceber as emoções que estamos sentindo. Sempre entro num dilema do tipo “E o que eu devo fazer agora?” quando a situação é extremamente emotiva pra mim e, logo, meu racional não oferece muitas saídas inteligentes.

Tenho na minha vida uma pessoa extremamente especial. O V. era até então um dos meus melhores amigos. Era a primeira pessoa para quem eu ligava quando eu recebia uma notícia boa, era a primeira pessoa que eu queria encontrar quando precisava de um ombro amigo. Era para ele que eu pedia conselhos sobre tudo: família, vida amorosa, profissional. Ele era aquele amigo que ligava uma vez por dia para perguntar se eu estava bem, se precisava de alguma coisa, para dizer que tinha saudades. Anos atrás tivemos um envolvimento amoroso, que teve um final super trágico, com muita mágoa, muito rancor, muitas lágrimas, mas o relacionamento renasceu na forma da amizade mais sincera que eu já havia experimentado.

Meu atual namorado morre de ciúmes dele, obviamente. Um cara saber que a namorada confidencia coisas do seu relacionamento amoroso para outro cara é difícil de entender. “Porque você não conversa com uma amiga mulher? Com um amigo gay? Com alguém com quem não tenha dormido?” perguntava ele confuso. Porque foi o V. quem se tornou merecedor dos meus segredos, porque foi ele que conquistou seu espaço, foi ele quem escutou meus problemas, sem nunca abrir a boca para me julgar.

Há dois meses atrás eu quase perdi meu melhor amigo. Ele começou a namorar uma garota com sérios problemas de auto-estima. Logo ela se mostrou dominadora, ciumenta e  possessiva. Em algumas semanas de relacionamento ela já havia revolucionado a vida dele, obteve controle total de sua vida social, marcava encontros e contatava os amigos. Sabia o tempo inteiro onde ele estava, com quem estava e que horas voltava. E ele passava a maior parte do seu dia dando satisfações para ela do que fazia.

Como amiga, o que eu podia fazer? Aconselhá-lo! Avisei para ele que amor é liberdade e não prisão, que alguém que diz que te ama, mas te prende e te controla, está sendo egoísta e apenas amando a si mesma. Que quanto mais ele demorasse a impor os seus próprios limites, mais ela abusaria deles. Mas nada adiantou. Ele esta apaixonado, e contra a paixão temos pouco a fazer.

Após um mês de namoro a garota resolveu controlar a única coisa na vida dele que ainda não tinha conseguido: nossa amizade. Gritou, esperneou, chorou, causou tudo o que pode, berrando que ser amigo de uma ex namorada não é saudável. Que se nos encontrávamos apenas nós dois, era porque alguma coisa existia entre nós. Tentou impedir os nossos encontros e, como não conseguiu, impôs uma regra para que eles acontecessem: só poderíamos nos ver se ela fosse junto. CAOS.

Caos na minha cabeça, caos no meu coração. Como ele pode aceitar essa condição? Que obrigação eu tinha de conseguir desabafar na frente dela? Porque ele não podia preservar o nosso espaço? Porque ele vendeu nossa intimidade? Brigamos. Brigamos durante dias. Ficamos sem nos falar. Nos machucamos.

Dois meses depois, embora tenhamos reatado um certo contato, ainda não conseguimos recuperar nosso relacionamento. Ele jogou nas minhas mãos a decisão de terminar ou não a nossa amizade. Ou aceito a imposição da menina, ou não nos vemos mais. E eu não sei o que fazer. Dilema.

Perguntas não param na minha cabeça:
- devo bater o pé e impor o resgate de nosso espaço?
- mas impondo não estou fazendo a mesma coisa que ela fez?
- fiz certo em desabafar o quando essa atitude me machucou?
- como vou lidar com o fato de ele estar se dando ao luxo de me perder?
- ele realmente sempre esteve por perto, ou foi apenas a persona que ele encarnou para nos relacionarmos?
- devo aceitar na minha vida alguém que não conheço mas que já me magoou?
- devo entender que ele está confuso, e que precisa de um espaço?
- simplesmente aceito manter distância e espero ele voltar?
- não vou me machucar mais ainda se parar de vê-lo?
- devo jogar minha raiva nela ou nele?

Eu estava lendo esse trecho do livro “Mulheres que correm com os lobos” quando percebi que para resolver esse meu dilema eu não devo buscar respostas racionais. Devo deixar meus subconsciente e meus instintos perceberem o que de fato é o problema e como devo resolvê-lo. Achei muito importante a passagem de aprender a separar as coisas que têm natureza semelhante. Nossos sentimentos são assim. E quando estamos muito bravas, muito putas, muito machucadas, não conseguidos com clareza identificar quais são os sentimento que estamos sentindo.

Então vamos lá, com bastante calma separar meus sentimentos um por um:
- rejeição: estou me sentindo rejeitada, como seu meu amigo tivesse me substituído por uma versão de relacionamento mais compensatória, já que ela além de amizade dá sexo também.
- ciúmes: estou com ciúmes por ele ter dado a ela uma intimidade que não temos mais
- mágoa: estou magoada por ele não se importar em machucar os meus sentimentos
- desvalor: porque ao se dar o luxo de me perder, me sinto pouco valorizada
- impotente: porque não tenho poder para controlar uma decisão tomada por outras pessoas
- traição: sinto que ele traiu o juramento de lealdade incluso em qualquer amizade

“Baba Yaga não está só pedindo que Vasalisa separe isso daquilo, que aprenda a diferença entre coisas de natureza semelhante – como, por exemplo, o amor verdadeiro do falso, ou a vida revigorante da vida.”

Quais são então as atitudes que tenho que tomar diante de cada um desses sentimentos? Primeiro vamos separá-los:

- me sentir rejeitada, com ciúmes e desvalorizada: esses sentimentos têm origem mais na minha baixa auto-estima do que na situação em si. Uma pessoa com uma boa auto-estima não precisa dos outros para se sentir parte de algo (causa da rejeição), para sentirem que tem valor (causa da desvalorização) e para achar que qualquer situação conflituosa gera uma substituição de sentimentos/carinho/intimidade (ciúmes). Eu sou única e cada relacionamento que tenho também. Se estou sentindo essas emoções, elas são problema meu e não dele.

Será que eu também não estou sendo possessiva? Achando que ele ainda me pertence e que pertencendo à outra pessoa deixa de ser meu? Desde quando as pessoas são nossas? O que sinto por ele? Se for apenas amor, aquele amor puro, eu não deveria deixá-lo ir quando ele achasse que deveria ir? O verdadeiro amor não é aquele que liberta? Se for algo mais além do amor, então sou eu que devo reavaliar os meus sentimentos, certo?

- me sentir impotente e traída: também têm mais haver comigo do que com ele. Desde quando foi feito um juramento medieval de lealdade, e desde quando eu sou a líder espiritual que me dou o direito de julgar as pessoas pelo que elas fazem? Se ele acha que tomou a decisão certa, nada mais justo do eu me esforçar para entender seu ponto de vista.

- me sentir magoada: nossa, esse é o único sentimento que entendo que foi causado de fato pelas atitudes do meu amigo! Esse é o único sentimento válido para ele, já que foi causado por ele. É por causa disso que eu devo conversar com ele e expor minha mágoa.

“Ás vezes, com o objetivo de aproximar uma mulher da natureza da vida-morte-vida, eu lhe peço que cuide de um jardim. (...) O jardim é um vínculo concreto com a vida e a morte. (...) No jardim, adquirimos a prática para deixar que pensamentos, idéias, preferências, desejos e até mesmo amores vivam e morram. (...) Temos a capacidade de infundir energia e reforçar a vida, sem atrapalhar o que vai morrer.”

Portanto, vou deixar esses sentimentos repousarem, viverem e morrerem. Vou procurar encontrar minha através do subconsciente. Vou esperar meu instinto me mostrar qual caminho devo seguir. O que fazer, o que dizer, como dizer. Tenho certeza que quando essas respostas chegarem, vou conseguir investir no meu relacionamento com V., ou deixá-lo morrer, se for sua hora de acabar.

Alguém tem algum conselho para me dar?

Lição do Dia: separando isto daquilo, e aceitando o ciclo da vida-morte-vida dos relacionamentos.

Pendências: Não ando conseguindo resolver muitas das coisas da minha lista.

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terça-feira, 28 de setembro de 2010

Dia 10 – Colocando ordem na casa

Capítulo 3 – Farejando os fatos: O resgate da intuição como iniciação

Conto: Vasalisa.
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A quinta tarefa – Servir o não-racional

“As tarefas psíquicas desse período de aprendizado são as seguintes: ficar com a Deusa Megera; aclimatar-se às imensas forças selvagens da psique feminina. Chegar a reconhecer o poder dela (o seu poder) e os poderes das purificações interiores; limpar, escolher, alimentar, criar energia e idéias.”

“No conto de fadas, ela ensina a Vasalisa como cuidar da casa psíquica do feminino selavagem”

Lavar as roupas: “repor em boas condições aquilo que perdeu a forma com o desgaste. As roupas são como nós, que nos desgastamos cada vez mais até que nossas idéias e valores ficam frouxos com o passar do tempo. A renovação, a revivificação, ocorre na água, na redescoberta daquilo que realmente consideramos verdadeiro, daquilo que realmente consideramos sagrado”.

Que características importantes eu tinha quando mais nova que perdi com o passar do tempo? Eu era mais criativa, mais desejosa, mais forte, mais correta, mais persistente, mais determinada? Essas características precisam ser renovadas? Quais as “sujeiras” que foram impregnando minha personalidade? Esse medo, essa insegurança, esse pessimismo e essa mágoa são minhas, ou são restos que se acumularam com o tempo? E a mais importante: as personas da Vero que os outros conhecem ainda têm muito em comum comigo mesma, ou tomaram vida própria?

Varrer o casebre e o quintal: “A mulher Sábia mantém seu ambiente psíquico organizado. Ela consegue isso mantendo a cabeça limpa, mantendo um local limpo para seu trabalho e se dedicando a completar suas idéias e projetos. Para muitas mulheres, essa tarefa exige que elas separem todos os dias algum tempo para a comtemplação, que abram espaço para habitar que seja nitidamente seu, (...), liberdades que se destinam apenas a esse trabalho.

Eu nunca separei para mim um espaço próprio onde fosse cuidar dos meus projetos e das minhas idéias. Hora de separar um tempo todo os dias para cuidar de mim, das minhas idéias, organizar minhas coisas, limpar meus espaços. Mas não fazer essa limpeza como obrigação doméstica, e sim, para preparar o terreno para completar meus planos. Questão de habito.

Cozinhar para Baba Yaga: “Em primeiro lugar para cozinhar se acende o fogo – a mulher precisa estar disposta a arder, arder de paixão, arder com palavras, com as idéias, com o desejo por não importa o quê que ela realmente aprecie. É de fato essa paixão que provoca o cozimento, e as idéias significantes da mulher são o alimento que é preparado.”

Eu: é essencial que eu renove as paixões da minha vida. Quantos interesses eu tenho que nunca receberam um investimento psíquico da minha parte? Voltar a fazer todas as coisas do dia-a-dia com paixão, lembrar de sentir o tesão da vida em cada momento meu. Cozinhar novas coisas, novos rumos, minha arte, meu trabalho, é assim que eu vou achar a minha vocação. “Sem o fogo, nossas grandes idéias, nossos pensamentos originais, nossos anseios e desejos continuam crus, e todo mundo se sente frustrado.” Esta na hora de acabar com essa frustração!

“Os ciclos das mulheres de acordo com as tarefas da Vasalisa são os seguintes: limpar nosso pensamento, renovando nossos valores com regularidade; eliminar da nossa psique as insignificâncias, varrê-las, purificar nossos estados de pensamento e sentimento com regularidade. Acender a fogueira criativa e cozinhar idéias num ritmo sistemático e especialmente cozinhar muito para alimentar o relacionamento entre nós mesmos e a natureza selvagem.”
Essa é umas das minhas partes preferidas da história de Vasalisa. Toda vez que leio me vem uma força das entranhas para cuidar de mim! Vamos cuidar, limpar e organizar de tudo gente! Nossos pensamentos, nossos sentimentos, nosso ambiente, nossas idéias, nossos planos. Vamos deixar de lado toda a sujeira, tudo o que está datado, tudo o que não importa mais, tudo o que nos faz mal: tudo o que atrasa nosso relacionamento com nossa força selvagem e nossa dedicação com nossa felicidade!

Lição do Dia: limpando a bagunça do ambiente psíquico.

Pendências: limpando a bagunça e a sujeira dos meus ambientes de trabalho.

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segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Relato # 1

Pessoal, desde que eu fiz esse blog pretendia, vez ou outra, colocar relatos de leitoras que leram o livro “Mulheres Que Correm Com Os Lobos” e realizaram uma grande mudança em suas vidas.

O primeiro relato que vou publicar é da leitora C., que me mandou sua história pelo e-mail eueoslobos@gmail.com . Querida, obrigada por abrir o seu coração para que outras mulheres aprendam com a sua experiência. Abaixo a trajetória de uma mulher que resolveu dizer “não!” para a submissão que vivia, e fazer sua vida renascer das cinzas!

“Tinha 18 anos quando namorei meu ex-marido pela primeira vez. Digo primeira vez porque nós terminamos nessa primeira vez. É como você disse no seu último post. Eu segui uma voz dentro de mim que me garantia que não ia dar certo. Eu segui essa voz. Então terminei. Fiquei 2 anos sozinha, vivendo a vida. Loucamente. Você imagina... Eu trabalhava e fazia faculdade, era muito bom. Pois bem. Aos 20, me reencontrei com ele. E voltamos a namorar. Desta vez sério. Eu estava apaixonadíssima, ele era o homem da minha vida. Um ano e meio depois, eu estava grávida. Casamos. E eu, felicíssima.

Durante este um ano e meio, eu recebi sinais evidentes de que não devia me relacionar com ele, de jeito nenhum, mas os ignorei terminantemente. Por exemplo: a forma como ele tratava a mãe dele. Era horrível! Ele a tratava como se fosse lixo, a única pessoa que ele respeitava, mais ou menos, era a avó. Ele não teve pai, e a mãe tinha várias irmãs. Estas tias dele eram tratadas como se fosse lixo, era muito ruim presenciar. Mas a criança aqui só pensava assim: "comigo vai ser diferente. Tenho certeza" e por aí afora. Que ilusão. Meu casamento acabou após três meses de casados. Eu, casei grávida de quase cinco meses, após três, eu estava no oitavo mês de gravidez, e não quis fazer amor com ele naquele dia, pois a barriga estava muito grande, eu estava com falta de ar e me sentindo mal. Ele me xingou de tudo quanto foi nome.

Nunca imaginei ouvir aquilo tudo dele. Foi um choque horroroso. Pensei comigo "que besteira eu fiz da minha vida?" Mas, já tinha feito a merda, né. E estou contando resumidamente. Bem, minha filha nasceu, ele piorou o tratamento comigo. Piorou muito. Comecei a me sentir extremamente solitária, infeliz, e muito, mas muito arrependida de ter me casado com ele. Meus pais não nos obrigaram a casar, minha mãe até foi, vamos dizer, contra a idéia. Enfim. Minha filha tinha 6 meses de vida, e a situação estava insuportável.

Sabe, Verônica, é preciso que você entenda minha personalidade. Sempre fui extremamente livre. Sempre. Sempre fui dinâmica, arrojada, desprendida, atirada, extrovertida, amava a vida, vivia intensamente. Neste período de namoro e nestes primeiros meses de casamento, fui ficando acanhada, fui me diminuindo, sabe? Muitas vezes pra evitar uma briga, pra evitar uma discussão. Eu fazia todas as vontades dele, achava a opinião dele o máximo. Concordava com tudo, tudo mesmo. Morria por ele. Pra você ter uma idéia, eu sempre usei batom vermelho. Ele me proibiu, e eu aceitei!!! Não é o fim?

Pois bem. Minha filha nasceu, tudo estava péssimo entre nós. Eu me sentia um bicho enjaulado, contido, amordaçado. Quando minha menina fez 6 meses, era um sábado de manhã, eu disse pra ele que queria me separar dele. Ele disse: "Quer separar? Tudo bem. Não tem problema, a gente se separa." Disse isso e foi até o carrinho onde a menina estava, tirou-a do carrinho e me disse, com a voz mais suave desse mundo: "Vou dar um pulinho na minha mãe, tudo bem, ela tá com saudade do nenê." Eu fiquei super-nervosa, porque evitava sair com a menina de casa nesse período, tinha muito cuidado. Pedi que não demorasse, pois eu estava amamentando ainda. Meu bebê não comia nada, só leite materno. Ele sumiu.  Passei a manhã inteira esperando, a tarde inteira esperando, a noite inteira esperando. Não tive coragem de falar pros meus pais. Juro, quase morri. Lá pelas onze da noite, ele aparece com a menina. Toda suja, morta de fome, olha, foi horrível. E me disse: "Você ainda quer se separar? Porque hoje eu voltei, mas se quiser se separar, da próxima vez eu não volto. Toma aí sua filha".

Olha só, eu tinha 22 anos, só tinha namorado esse moço, mais ninguém. Fiquei apavorada. Em pânico. Peguei minha filha no colo como se eu dependesse daquilo pra continuar vivendo. Juro, fiquei com muito, muito medo de que ele sumisse novamente com ela. Porque o que eu senti durante aquele dia inteiro, longo, horrível, apavorante e estressante, eu nunca mais queria sentir. E o que eu fiz então? Ao invés de pedir, por exemplo, pro meu pai me ajudar, meu irmão, minha mãe, minha irmã, sei lá, não fiz nada.

Fiquei com ele mais oito anos. OITO ANOS. Você, Verônica, tem idéia do que foi isso? Esses oito anos duraram, seguramente, uns cento e oitenta anos. Foram os anos mais horríveis da minha vida. Mais longos e tenebrosos. Nesse período, esse sujeito fez de mim o que ele quis. Todo o tipo de tristeza, humilhação e auto-destruição passou por mim. Tentei me matar duas vezes. Na primeira não consegui porque vomitei tudo e na segunda minha filha me salvou.
Eu ia às festas de família, e ficava sozinha, num canto, tinha medo de conversar com alguém e falar alguma coisa de que ele não gostasse.

Um dia, meu pai me chamou no quarto dele, nunca me esqueço, segurou nos meus ombros, me chacoalhou e disse: "Quem é você? Você parece um zumbi. Você chega, não fala nada. Você sai daqui de casa muda. Essa não é a pessoa que eu conheço. Eu não te reconheço, filha! O que está acontecendo com você?" Eu não tive coragem de responder. Sabe o significado da palavra "subjugada", da palavra "submissão"? Era o que mais próximo me traduzia. Nunca me esqueci disso que meu pai me disse.

Mas eu tinha medo. Um medo horroroso, que me corría inteira, que aniquilava toda e qualquer coisa que eu fazia. E poderia ficar aqui, horas e horas te relatando as coisas que ele me dizia, as coisas que ele fazia, tudo. Mas não quero me alongar tanto assim. Isso, porque eu e ele trabalhávamos, e eu ganhava três vezes mais do que ele! Olha isso.

Um dia, uma amiga querida, queridíssima, até hoje me acompanha (sou apaixonada por ela!!) me falou do livro "Mulheres que Correm com Lobos", e de como esse livro a havia ajudado em determinado momento da vida dela. Acho que ela viu em mim uma pessoa que havia perdido completamente sua natureza selvagem. Ela viu em mim, eu acho, uma pessoa que perdera o potencial de vida em algum momento.

Li o livro, e conforme lia, aquilo ia me dando uma força tão desgraçada, tão devastadora, que você não imagina. Fui readquirindo minha força, minha coragem, minha auto-estima, meu valor, tudo. Tudo voltou a mim, com uma força tão grande, tão incontrolável, tão extasiante. Absorvi todas aquelas lições do livro. Elas entraram na minha alma.

Um belo dia, eu estava trabalhando à noite (meu serviço exige que eu trabalhe à noite, e naquela época, trabalhávamos às segundas e sextas à noite; não era à toa que eu ganhava bem), e ele ficou bebendo nalgum canto. Cheguei em casa, ele bêbado. A menina dormia. Ele tentou querer fazer amor comigo. Juro, Verônica, eu pensava nas coisas que eu tinha lido, eu pensava em mim mesma, eu pensava essas coisas já fazia bem uns meses. Eu o empurrei e disse pra ele: "Tira a mão de mim. Nunca mais você vai encostar em mim". Assim, calmamente. E depois, com raiva: "Nunca mais você vai fazer amor comigo". "Nunca mais. Sai dessa casa."

Depois que eu falei essas frases, me senti com uma força e uma coragem inacreditáveis. E foi difícil, pois ele não queria se separar, de jeito nenhum. Tive (olha só, os preços que a gente paga) que dar o carro pra ele, que eu havia pago, todas as 36 parcelas... ele levou a televisão, o aparelho de som, os pratos, as xícaras, os talheres, os tapetes, os móveis, os cinzeiros, tudo! E eu deixei, porque era o preço que eu tinha que pagar. Ele levou tudo, tudo, tudo que eu tinha dentro de casa! Ficamos eu e minha menina. E uma casa, que não era minha, vazia. Ah, ele deixou uma coisa. Uma dívida de 12 mil reais (porque ele era pobre, mas só usava roupas, perfumes e griffes, ele pagava as contas nos bares que ele ia com o meu cartão). Não me importei.

Eu sabia que eu poderia reconstruir tudo, inclusive a mim. Olha, é incrível falar, mas as coisas que li nesse livro, nunca mais esqueci e nunca mais saíram de mim. Adquiri uma força inacreditável. Que me acompanha até hoje. Cada vez maior, aliás, porque os problemas nunca deixam de existir. Me lembro que, no dia em que ele finalmente saiu da minha casa (casa que era de meus pais e morávamos de favor), nesse dia, chovia. Eu me deitei no quintal, abri os braços e as pernas e ali fiquei. Tomando aquela chuva e me sentindo parte da terra, da lua, da chuva, do mundo.

A sensação foi indescritível. Inesquecível. E eu reconstrui tudo, Verônica. Tudo. Até comprei uma casa, um outro carro melhor! Ah, esqueci de contar. Quando minha menina fez sete anos, estávamos casados ainda, eu dei um celular pra ela. Pra ela me ligar, caso ele fugisse com ela. Olha o meu medo. Eu só sei que, quando redescobri, através da Clarissa Pinkola Estés, a mulher selvagem que eu ainda era... nunca mais ela deixou de habitar em mim. Ela mora aqui dentro! Eu percebi, em determinado momento, que eu tinha força, coragem, capacidade e condições para mudar definitivamente a minha vida. E assim eu fiz.

Porque acredito na força da mulher. Todas nós, desde de que queiramos, podemos fazer qualquer coisa. Desde que lúcidas, libertas destes medos, inseguranças, pressões, opressões que nos enjaulam. Olha, sinceramente. Eu me apaixono, hoje em dia, com certeza. Aliás, amo me apaixonar por alguém. Mas... à simples menção de opressão, me mando. Saio fora. Dói quase nada. Aliás, nem dói, é alívio. Se é que você me entende. Hoje em dia, como você pode ver no meu blog, eu estou continuamente "correndo com os lobos"."

Escreva para a Vero: eueoslobos@gmail.com

sábado, 25 de setembro de 2010

Dia 9 - Porque você levanta todo dia de manhã?

Capítulo 3 – Farejando os fatos: O resgate da intuição como iniciação

Conto: Vasalisa (Link para a história completa no menu à direita)

A quarta tarefa – Encarar a Megera Selvagem

“As tarefas desse encontro são as seguintes: ser capaz de suportar o rosto apavorante da Deusa Selvagem sem hesitar. Familiarizar-se com o mistério, a estranheza, a ‘alteridade’ do selvagem. Adotar nas nossas vidas alguns dos seus valores, tornando-nos, portanto, um pouco estranhas. Aprender a encarar um poder enorme nos outros e subseqüentemente nosso próprio poder. Permitir que a criança frágil e boazinha em excesso vá definhando ainda mais.”

“Vasalisa começou com o que poderíamos chamar de personalidade normal nivelada. É exatamente esse ‘excesso de normalidade’ que vai nos contaminando até que tenhamos uma vida rotineira e sem vida, sem que fosse isso o que realmente pretendêssemos. Essa situação estimula a negligência para com a intuição, que, por sua vez, produz a falta de luz na psique”.

Já desabafei em outros posts que tenho problemas sérios quando se trata de construir uma carreira, ou de fazer planos para o futuro. Isso acontece porque não vejo muito tesão nas coisas, e tenho a sensação que nunca pego a estrada correta. Assim, quando o tesão da novidade termina, dá-lhe jogar tudo para o alto e, de novo, colocar todas as minhas energias num projeto novo. Logo o tesão acaba novamente, e recomeço tudo de novo....

O que acontece é que todo dia de manhã eu me olho no espelho e pergunto arrasada para a minha imagem mal-humorada: “Porque você está levantando da cama, mesmo?”. Durante anos minha imagem nunca respondeu para mim.

Até a última quarta-feira. Na quarta de manhã acordei, lavei o rosto e me olhei no espelho me fazendo a mesma pergunta, mas, dessa vez, respondi para mim mesma: eu levanto da cama todo dia de manhã porque preciso de dinheiro para meus pequenos prazeres da vida, e enquanto eu não descubro minha verdadeira vocação, eu simplesmente ponho meu salto alto e vou trabalhar em qualquer coisa que me pareça atraente. É fácil não é?

“O inconsciente, ao seu modo brilhante, oferece a quem sonha uma idéia sobre o novo estilo de vida que não se restringe ao sorriso frontal e fácil de mulher ‘boazinha demais’. Encarar o poder selvagem em nós mesmas é ganhar acesso aos inúmeros rostos do feminino oculto. Eles nos pertencem de modo inato e podemos optar por incorporar os que nos forem mais convenientes a qualquer momento”.

Vou confessar uma coisa para vocês: tem um tipo de pessoa que me causa inveja. São aquelas pessoas que já descobriram sua missão na Terra, e trabalham com o que mais dá prazer para elas. Eu também quero levantar da cama todos os dias de manhã, motivada para fazer algo que me realize como pessoa. Eu quero ir trabalhar todos os dias e esquecer que também pago minhas contas com aquilo, quero apenas sentir aquela felicidade apaixonada de viver do que eu amo. Eu sonho em sentir uma satisfação plena que não vem das coisas, mas sim de mim.

Muito chamam isso de vocação. Muitos chamam de talento natural, ou até de missão espiritual Não importa o nome. Eu quero ver meus olhos brilhando no espelho todo dia de manhã! Mas como é que a gente faz para achar a nossa vocação?

Bom, a minha primeira idéia era ir testando, testando, que uma hora eu topava com ela. Tem gente que topa de primeira, e eu até hoje nunca topei. Minha segunda idéia era ir trabalhando um pouquinho com cada coisa que eu sentia afinidade. A única coisa que isso me trouxe foi um currículo esburacado, e milhões de começos sem fins. Minha terceira idéia era que eu deveria procurar minha vocação no meio dos meus hobbies. Não funcionou, comecei vários hobbies diferentes, fazia tudo que me vinha à cabeça, e nenhum deles me tocou como eu estava esperando.

Bom, depois disso tudo, caiu a minha ficha que não é o nosso lado racional que me ajudaria com isso. Porque vocação não é observada, analisada, comparada e escolhida. Vocação para mim está mais perto do que as pessoas sentem quando passam por uma experiência religiosa, quando olham para o filho recém-nascido pela primeira vez, quando ficam horas paradas olhando a chuva cair sem pensar em nada, quando meditam, quando realizam um sonho... Sabe, aquele sentimento de satisfação plena, aquela felicidade que sentimos com o corpo inteiro, com cada membro, com cada órgão, com cada terminação nervosa da pele? O não pensar, o apenas SER, naquele momento, a felicidade em si.

E isso não é racional. E esse sentimento não vem de presente quando tiramos um diploma da carreira escolhida. Eu quero me sentir assim todos os dias de manhã quando eu acordar! E não estou falando necessariamente de trabalho não.

Tenho um amigo muito engraçado que cada vez que alguém pergunta o que ele faz ele responde: “ah, tanta coisa! Eu leio os clássicos, eu jogo xadrez, eu toco guitarra, adoro cinema, e o que eu realmente amo mesmo fazer, é fotografar!”. Aí ele olha para a cara de bunda da pessoa e responde “Ah, você estava perguntando com o que eu pago minhas contas? Ah, eu trabalho como advogado! Mas isso é só o que eu faço das 8 às 5hs. Minha vida começa mesmo quando eu deixo o escritório.”

E o que eu vou usar para descobrir isso? Minha intuição, minha inteligência emocional, meus instintos, meu focinho farejador, minha mulher selvagem interior. Com toda a minha força.

“Ser forte não significa desenvolver os músculos e exercitá-los. Significa, sim, encontrar nossa própria numinosidade sem fugir, convivendo ativamente com a natureza selvagem ao nosso próprio modo. Significa ser capaz de aprender, e ser capaz de agüentar o que sabemos. Significa manter-se firme e vier.

Lição do Dia: permitindo deixar-me levar pela estranheza da vida e pelos porquês das coisas.

Pendências: deixando o trabalho em ordem para conseguir mais tempo livre para mim.

Leia o conto 'Vasalisa' completo: http://querocorrercomoslobos.blogspot.com/p/vasalisa.html

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sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Dia 8 – Longo conto pessoal

Capítulo 3 – Farejando os fatos: O resgate da intuição como iniciação

Conto: Vasalisa.
(Link pra a história completa no menu à direita)

A terceira tarefa – Navegar nas trevas

“São as seguintes as tarefas psíquicas desse estágio: consentir em se aventurar a penetrar no local da iniciação profunda e começar a experimentar o sentimento numinoso novo e aparentemente perigoso de estar imersa no poder intuitivo. Aprender a desenvolver a sensibilidade ao inconsciente misterioso no que se relaciona ao direcionamento e confiar exclusivamente nos próprios sentidos interiores. Aprender o caminho de volta para a casa da Mãe Selvagem. Aprender a nutrir a intuição. Deixar que a mocinha frágil e ingênua morra ainda mais. Transferir o poder para a intuição.”

Queridas leitoras: vocês se importam se eu relatar um conto longooo e pessoal?

Um dos motivos que me fez parar na terapia pela terceira vez foi um rompimento amoroso. Não daqueles bobinhos, aqueles pé-na-bunda padrões que todos nós levamos uma vez na vida. Não. Foi a situação mais abominável que já passei até hoje! Eu nunca imaginei como é simples fragmentar nossa psique como cacos de vidro, quando não estamos fortes o suficiente para uma situação como essas.

Vamos ao causo. Estava eu apaixonadíssima pelo sujeito. Mas daquelas paixões no estilo Romeu & Julieta, para pior. Estávamos há 5 meses juntos, num relacionamento incrível, nos víamos todos os dias, nos falávamos por telefone, trocávamos juras de amor até altas horas da madrugada. Claro, um ou outro conflito aqui e ali, mas resolvíamos tudo tranquilamente, sem dramas, sem brigas, apenas conversando.

Vez ou outra eu era assombrada por sonhos muito estranhos, e acordava no meio da madrugada com a sensação de que aquele relacionamento era uma farsa. Ria do pesadelo e voltava a dormir. Assim foi por noites a fio. Mas eram sonhos tão fortes, mas tão fortes que comecei a ficar desconfiada. Comecei com uma leve observação mais detalhada do sujeito. Algo que ele me diz não cheira bem! Às vezes o vejo olhando para longe, como se não estivesse aqui comigo. Tem dias que sinto que ele me evita. Não sei se fiquei neurótica ou psicótica, mas o fato é que cada vez mais eu começava a achar que o sujeito não estava assim tão afim de mim. Não foi nada do que ele disse, não foi nada do que ele fez, ou que não fez. Era a forma como falava, como me olhava, uma pessoa apaixonada tem muito mais brilho na pele, muito mais fogo nos olhos...

Como não tinha nenhuma prova concreta, tentava esquecer o assunto.

Numa bela noite, estava eu conversando com meu objeto de paixão sobre como estávamos tão envolvidos, sendo que nos conhecíamos há tão pouco tempo. E ele se mostrava maravilhado também, não é incrível? Ficamos largados na cama, comentando o quanto tínhamos sorte, quando me veio uma coragem de além mar, e resolvi comentar como se falasse da novela:

Eu – Eu estou completamente apaixonada por você.

Sujeito - ....

Eu – Você entendeu o que eu disse não é?

Sujeito – Vero, paixão é coisa de adolescente.

Eu – Você não está apaixonado?

Sujeito – Não! Eu não estou apaixonado. Eu te amo, é diferente.

Eu – Ah... – foi a primeira vez que ele me disse isso. E no entanto eu sentia tanta dor, mas tanta dor, como se ele estivesse confessando um assassinato e não dizendo eu te amo. Meu coração foi absurdamente estraçalhado por aquele “Não!”, e aquela palavra ecoava dentro de mim explodindo tudo o que tocava.

Sujeito – Você entende o que eu sinto por você? É muito maior do que isso, sabe há quanto tempo não consigo amar ninguém? Não quero te perder de forma alguma, morro de medo que você desapareça! Já faz tempo que quero falar isso com você, mas hoje parece ser a noite perfeita: Vero, vamos ficar juntos para valer?

Eu – Mas nós não estamos juntos para valer? – perguntei num sussurro. Alguma coisa dentro de mim estava gravemente ferida, eu mal consegui falar.

Sujeito – Não! Venha morar comigo, vamos dormir e acordar juntos todos os dias! Vamos partilhar todos os momentos, não podemos deixar nossa chance passar! – os meus pêlos do corpo se arrepiaram.

Eu - Mas já? Tão cedo? Nós dois acabamos de sair de casamentos super complicados!! Será que estamos preparados para isso? – entrei automaticamente na defensiva, esperando ter tempo para descobrir o que era aquela dor monstruosa que eu estava sentindo.

Sujeito – Vamos cuidar um do outro, vamos ajudar um ao outro! Seríamos muito felizes! Não quero te pressionar... Mas, se acha precipitado demais, poderíamos fazer um teste de alguns meses. O que acha?

Eu – ...

Gente, qualquer casal apaixonado no mundo ficaria exaltado com essa decisão! Mas eu não fiquei. Uma voz dentro de mim estava gritando e avisando para tomar cuidado. Só que eu não sabia dizer da onde vinha, por que dizia aquilo e se eu deveria dar atenção. Não queria escutar aquela voz, queria mandar ela ir catar coquinho! Chamei-a de insegurança, de medo de se jogar aos desafios, chamei-a de auto-boicote, de tudo quando é nome! Mas o desconforto não passou. Essa sensação de perigo me assaltava o tempo inteiro, e me jogava numa tristeza que chegava de repente, e me deprimia. Não, acho que é medo, pensei eu. Vamos embora ser felizes e chega de insegurança!

Dois meses depois eu estava me preparando para ir morar com ele, resolvendo minha vida, organizando minhas coisas, informando os amigos. Me mudaria em alguns meses. Sim, estava feliz e me sentindo corajosa. Mas aquela voz dentro de mim, aquela sensação de desconforto ficava cada vez mais forte. Um dia, cansada daquele sofrimento besta, quando as sirenes de alerta dispararam de novo eu explodi e gritei para mim mesma: “medo de amar é coisa de mulherzinha! Cale a boca e me deixe em paz!!”. E a voz me deixou em paz.

Um belo dia, o sujeito me liga precisando falar comigo, era caso de vida ou morte. Disse que uma ex-namorada dele estava com muitos problemas pessoais, que ela havia acabado de perder o emprego e o apartamento e, vejam só, ele não poderia deixar a moça na rua, certo? Então acabou levando a pobre coitada para morar na casa dele. Começou pedindo mil desculpas, dizendo que não teve escolha, e implorando para que eu não ficasse brava, que boas ações são bem pagas, e blá, blá, blá. Terminou dizendo para eu ficar tranqüila, que ele me amava e que procuraria outro apartamento para a gente alugar.

CHOQUE.

Simplesmente atônita eu escutava no telefone sem conseguir responder. Desliguei o telefone, ainda paralisada. Tive uma das maiores crises de choro que já tive até hoje. Liguei dois dias depois e terminei tudo, aos gritos.

Mas não, a história não caba aí não...

Uma semana depois ele havia tirado a moça de casa, ajoelhado e pedido desculpas. Voltamos a nos encontrar, a nos ver, a conversar, e quando percebi estávamos juntos novamente. Eu estava tão feliz por ter imposto a minha opinião, de ter gritado o quanto tinha machucado, e de ter sido ouvida, que não via mais nenhum problema no sujeito. Voltamos como se nunca tivéssemos nos separado. E de novo as brincadeiras, e de novo as risadas e de novo a velha intimidade. Ah, a velha intimidade!

Novamente aquela lua-de-mel! Só que bem melhor! Ele estava retratado! Me tratava como uma rainha, me dava tudo o que eu queria, ligava fazendo grandes declarações de amor. Veio o Natal. Veio o Ano-Novo. Veio um novo ano e eu sai de São Paulo, numa viagem de negócios. Ficaria meses fora.

Uma tarde, ele me liga novamente naquele esquema caso de vida ou morte. Eu levo um susto! As sirenes, que há muito não escutava, começam a soar loucamente novamente “Perigo! Perigo!! Perigo!!!”. Mas dessa vez a notícia não era ruim. Muito pelo contrário: o sujeito me ligava para me pedir em casamento! “Vamos construir a vida juntos, tentei ficar longe de você e percebi que não consigo, você foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida!!” declarava ele.

E me diz o que a mulher domesticada pela cultura aqui fez? Aceitou. E uma nova felicidade tomou conta de mim! Fiz milhares de planos, contei para todos os meus amigos, colegas de trabalho, recebi os parabéns, como o mundo era colorido! Tínhamos combinado tudo, quando eu voltasse ele já teria organizado tudo e finalmente juntaríamos os nossos trapinhos!

Nos falamos mais umas 3 vezes naquela semana. Depois começou a me ligar uma vez por mês, conversava 15 minutinhos, falava que estava com saudades, que estava trabalhando muito por nós dois. Certo dia, ele sumiu! Sim, isso mesmo, meu noivo, o cara que me pediu em casamento. O sujeito desapareceu.

Mas que raios está acontecendo? Nada de avisos mais. Nada de alertas mais. Eu estava nas trevas, sem nenhum sentido para me guiar.

Tarde de mais. Ai meu Deus, pensei eu. Que burrada eu fiz? Eu sabia que tinha algo muito estranho desde o começo com ele, porque é que eu fui me meter nessa roubada? Meu instinto me alertava do perigo e eu ignorei todos os sinais que ele me mandava!!

No final de seis meses eu volto para São Paulo e telefono para o sujeito. Vamos conversar? Marcar um café? Colocar os pingos nos Is?

Nos encontramos. Ele estava noivo. Sim, de outra mulher. Sim, que conheceu enquanto eu estava fora. Terminamos nossa conversa com ele me dizendo que eu deveria saber, desde o começo, que ele precisava de alguém do lado dele para sobreviver. E que, mesmo gostando muito de mim, a culpa não era dele se eu não estava disponível! E enquanto eu estava longe, ele encontrou uma nova mulher que gostava muito dele, e ele logo a pediu em casamento. E ela aceitou. Eu sinceramente só desejei que a história não terminasse do mesmo jeito para ela como terminou para mim. E torci com muita fé, mas que ela fosse mais esperta do que eu, e escutasse o que dizia seus mais profundos instintos.

Nunca, mas nunca mais depois desse acontecido, eu ousei ignorar novamente a minha intuição. Que audácia a minha, ignorar o que eu tenho de mais valioso!!

“Já ouvi mulheres que disseram estas palavras, se não centenas, então milhares de vezes: ‘Eu sabi que devia ter seguido minha intuição. Pressenti que devia ou não deveia ter feito isso ou aquilo, mas não lhe dei ouvidos’. Nutrimos o profundo self instuitivo ao prestar atenção a ele e ao agir de acordo com sua orientação. (...) Nesse sentido ele é como os músculos no corpo. Se um músculo não for usado, ele acaba definhando. A intuição é exatamente igual: sem alimento, ela se atrofia.”

“A compreensão da mulher da sua sabedoria intuitiva pode ser fraca em conseqüência desse rompimento, mas com exercício ela poderá se restaurar e se manifestar em sua plenitude.”

Lição do Dia: re-contando a minha própria história e alimentando a minha intuição!

Pendências: penúltima bateria de exames feita!

Leia o conto 'Vasalisa' completo: http://querocorrercomoslobos.blogspot.com/p/vasalisa.html

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quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Dia 7 – Sou submissa à madrasta má?

Capítulo 3 – Farejando os fatos: O resgate da intuição como iniciação

Conto: Vasalisa
(Link para o conto completo no menu à direita)

A segunda tarefa – Denunciar a natureza sombria

“São as seguintes as tarefas desse período: aprender ainda com maior conscientização a largar a mãe excessivamente positiva. Descobrir que ser boazinha, que ser gentil e simpática não fará a vida florir. Vivenciar diretamente a própria natureza sombria, especialmente os aspectos exploradores, ciumentos e rejeitadores do self. Incorporar esses aspectos. Criar o melhor relacionamento possível com as piores partes de si mesma. Deixar acumular a tensão entre quem se aprendeu a ser e quem se é realmente. Trabalhar, afinal, no sentido de deixar o velho self para que nasça o novo self intuitivo.”

Essa importantíssima tarefa é explicada pela autora usando a figura da madrasta má de Vasalisa. Já repararam que em muitos contos de fadas tem uma madrasta má que atormenta a pobre princesinha durante toda a sua infância? Não é à toa.

Clarisse explica que o símbolo da madrasta má representa os aspectos exploradores e destruidores de nossa própria psique. Quase sempre eles são fruto da sociedade e da cultura em que vivemos, ou de nossa família de origem, que não nos dava muito valor. O problema é que nós acabamos internalizando esses aspectos, sem perceber que agora eles estão vindo de dentro na nossa cabeça, e não mais do mundo lá fora. São pensamentos do mal que funcionam como as madrastas más dos desenhos, azucrinando os nossos planos.

Para esse exercício resolvi contar uma situação problemática que estou vivendo atualmente. Algo que me faz mal, mas que continuo aceitando por qualquer motivo que seja.

Meu emprego.

Eu consegui meu atual emprego depois de um longo período desempregada, por indicação de um amigo que achou que eu era a pessoa perfeita para o cargo. Eu percebi logo na entrevista, que não era eu que era incrível, o cargo é que era muito baixo. Mas aceitei, disposta a ficar por um tempo até colocar a minha vida de volta nos trilhos.

O esquema era trabalhar 6 dias por semana, sem hora de almoço, ganhando um dos piores salários da minha vida, praticamente apenas atendendo o telefone. Topei. Afinal, precisava sair do buraco, e sair do buraco sentadinha na frente de um computador com acesso à internet, não era de se jogar fora, não é?

Mas eu estava frustrada porque pensava que a empresa nunca ia ver que eu podia muito mais do que atender ao telefone, eles nem leram o meu currículo para perceber que já estive em grandes universidades. Mas, inacreditavelmente, meus chefes começaram a perceber que eu era muito mais inteligente e capaz do que eles imaginavam para a vaga.

Começaram a pedir favores, que iam ficando mais difíceis com o tempo. E eu só pensava, “nossa, se eu fizer direitinho, eles vão ver que eu posso muito mais”. E dava tudo de mim. Conseqüentemente, minhas responsabilidades começaram a aumentar! Quando eu dei por mim, estava pilotando praticamente sozinha um setor inteiro da empresa. Isso, em 8 meses de trabalho.

Eu ganhei algum aumento por isso? Hahaha. Cada vez trabalhava mais, me estressava mais, mas não ganhava um centavo de aumento. Mas eu estava feliz claro, afinal, se estavam me dando mais responsabilidades significava que percebiam que eu era boa, e eu me sentia valorizada cada vez mais.

O tempo foi passando e eu comecei a ser chamada para cuidar de projetos pessoais dos meus chefes, à parte da empresa. Cheguei por exemplo a cuidar de eventos para centenas de pessoas, sozinha, usando todo o meu tempo livre para tudo sair perfeito, e não ganhei nada por isso. Além de tudo, coisas que eu fazia como favor, agora eram obrigações, comecei a ser super cobrada, levar muita bronca, e nem um obrigado eu recebia de volta.

Mas eu estava triste? Não, estava muito feliz! Estava fazendo trabalhos que nunca havia feito antes, estava aprendendo, me descobrindo, me sentindo capaz, nossa era o máximo! Mal me lembrava que minha conta bancária ainda estava no negativo e que minhas dívidas só aumentavam. Mesmo assim, cada vez que me pediam para pilotar novos projetos, eu abanava a cabeça como um cachorrinho educado, latindo “muito obrigada pela oportunidade senhor!”.

Quando completei um ano, eu estava cuidando de dois dos maiores setores da empresa. Era uma puta responsabilidade! Eu tinha que freqüentar reuniões com gente muito mais foda do que eu, normalmente jornalistas, produtores, RPs, eu tinha que estudar para caramba, aprender com meus erros, que foram muitos, e manter a cabeça erguida, sem parar, sem demonstrar cansaço. Não tinha tempo de estudar para a faculdade, e nem consegui pagar a mensalidade com meu salário. Larguei a faculdade. Pela terceira vez! E o pior é que meu salário começou a diminuir, porque ainda ganhava para atender o telefone, e quando mais novas coisas eu fazia, menos eu... atendia o telefone!

Mas vocês devem estar se perguntando, porque raios eu aceitava tudo isso? Eu estava me sentindo boa em alguma coisa como há muito tempo não sentia, eu estava achando que finalmente estava sendo compensada pelo meu bom comportamento, e que em breve, eu não precisaria ficar provando o meu valor todos os dias, simplesmente meus chefes me dariam um salário à altura da minha função. Não sentia raiva deles, pelo contrário, me sentia grata!

Essa história lembra algum conto de fadas para vocês? Para mim lembra: “A Gata Borralheira do Escritório”.

O tempo continuou passando e eu continuei cada vez mais cobrada, mais forçada, mais estressada. Meus chefes cada vez mais duros, mais exigentes, mais perfeccionistas. Até que eu olhei à minha volta e percebi: o que diabos está acontecendo por aqui?

Eu achei que estava tentando provar o meu valor para meus chefes, mas não. Eu estava tentando provar meu valor para a voz na minha cabeça que dizia: “Você não sabe fazer isso. Você não é boa nisso. Você não tem a coragem necessária. Você é tola, sem graça, vazia. Você não tem tempo. Você só em boa para as coisas simples. Só se permite que você faça esse tanto e nada mais. Desista enquanto pode!”

Eu estava escravizada, mas não era pelos meus chefes, era por essa madrasta má, que habitava meus pensamentos e dizia o tempo todo que eu não tinha valor. Não queria provar nada para ninguém, eu queria era calar essa maldita voz!

“Nesse estágio da iniciação, a mulher vê-se acossada por exigências banais da sua psique que a exortam a atender qualquer desejo de qualquer um. A obediência provoca uma descoberta chocante que deve ser registrada por todas as mulheres.”

Eu estou permitindo que me façam de trouxa! Sou eu que estou dando poder para eles!

“Nós também sofremos interceptação quando a madrasta que existe em nós e/ou à nossa volta nos diz que, para começar, não valemos muito e insiste em que nos concentremos nas nossas falhas, em vez de perceber a crueldade que gira ao redor – seja dentro da psique, seja dentro da cultura. Como Vasalisa podemos tentar ser gentis quando devíamos ser espertas. Podemos ter sido ensinadas a pôr de lado o insight penetrante com o objetivo de não criar problemas. Contudo, a recompensa por se boazinha, em circunstâncias repressoras, é a de ser mais maltratada. Embora a mulher sinta que, se for ela mesma estará se afastando dos outros, é exatamente essa tensão psíquica que é necessária para criar a alma e promover mudanças.”

Resumo da história: há três semanas cheguei ao meu limite emocional. Chorei, esperneei, amaldiçoei o mundo cruel, me decidi e resolvi me dar o luxo de perder o meu emprego: pedi um aumento! O que aconteceu? Meu aumento foi autorizado em menos de 48hs. A história tem um final feliz, mas caso não tivesse, eu já estava pronta para partir para outra.

Lição do Dia: percebendo que a madrasta má da minha psique é cria minha, e que são as minhas inseguranças e passividade que a alimentam.

Pendências: usando o meu aumento de salário para organizar as minhas dívidas.

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quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Dia 6 – Quem quer uma mãe-boa-demais?

Capítulo 3 – Farejando os fatos: O resgate da intuição como iniciação

Conto: Vasalisa
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A primeira tarefa – Permitir a morte da mãe-boa-demais

Fiquei um tempão pensando se deveria escrever o que eu queria sobre essa primeira tarefa. Devo falar sobre a minha mãe? Mas ter problemas com sua própria mãe não é umas das características da adolescência? E eu, como mulher adulta já deveria ter resolvido esse assunto? Mas eu resolvi escrever esse blog para jogar as minhas verdades e pensamentos no vento, não é mesmo? Então vamos lá.

O casamento dos meus pais foi um dos mais bem sucedidos que eu já testemunhei. Muito amor, muito carinho, muita luta para criar os filhos da melhor forma possível, mesmo tendo o mínimo de dinheiro disponível. Eles sempre cumpriram o seu papel. Se matavam de trabalhar, nunca deixaram faltar nada em casa, se permitiam alguns luxos para os filhos, parcelados em vários anos claro, e comemoravam cada vitória, cada aumento, a primeira casa própria, a viagem dos sonhos.

Meu pai foi um ponto fora da curva padrão de pais. Tenho total consciência disso. Era comum vê-lo preparando nosso café da manhã, os lanchinhos da escola, de avental cozinhando uma macarronada (que era a única coisa que ele sabia fazer e era péssima, mas vale a intenção). Era ele que entrava com cuidado na masmorra de isolação que era meu quarto e sentava comigo na cama para perguntar como foi o meu dia. Foi meu pai que me levou pela primeira vez ao ginecologista, que fazia do-in e chás para mim quando vinham minhas terríveis cólicas menstruais. Que me dava colo, carinho, e abraços apertados quando eu chorava.

Foi ele que me ensinou como tirar manchas de roupas, a lavar meus sutiãs, a usar os eletrodomésticos. Era que me contava histórias antes de dormir, e que vinha me dar uma bronca quando estava na hora de cortar o cabelo ou de adicionar algumas peças novas ao meu surrado guarda-roupa. Com ele eu dividia meus sonhos, meus segredos, meus namoricos, meus planos. Ele sempre foi para mim uma mãe e um pai ao mesmo tempo.

Eu sempre me senti meio órfã de mãe. Não era ela quem deveria cuidar de mim? Dar carinho físico? Me dar conselhos? Falar sobre sexualidade? Não era ela quem deveria ter me ensinado como cuidar de mim mesma, cuidar da minha saúde, das minhas coisas, me levar no ginecologista, me ensinar a ser vaidosa? Mas ela não me ensinou. Nada.

Quando meu pai morreu e eu fiquei apenas com a minha mãe, foi quando eu percebi que não havia mais ninguém para cuidar de mim. Claro, casa e comida nunca faltariam, mas fiquei órfã de mestre. Fiquei órfã de cuidados. E cresci sem saber direito como me cuidar.

Quando comecei a levar os tombos e tapas da vida, comecei a culpá-la por não ter me ajudado a me preparar para o que vinha. Me sentia largada e desamparada, e quase sem forças para construir uma vida sozinha.

Com medo de só me dar mal, me retraí a ponto de parar de me arriscar. Eu tinha medo que as coisas continuassem a dar errado. Eu tinha medo de fazer planos. Medo de ser humilhada. Medo de fracassar. Medo de não saber cuidar de mim. Medo de tudo! E pior: comecei a arrumar mil justificativas para explicar essa falta de atitude!

Minha saúde anda ruim porque eu me alimento mal: ah, mas nunca ninguém me ensinou a cozinhar, cursos de cozinha custam uma fortuna, nem sei como fazer uma lista de compras e quais são os setores de um supermercado. Culpa da minha mãe!

Sou uma mulher adulta e me visto que nem uma adolescente: ah, mas nunca ninguém foi comprar roupas comigo, me ensinou sobre moda, nunca ninguém me disse que cor combina com o que, o que não usar, o que usar. Minha mãe sempre foi largada e cafona!

Não consigo cuidar da minha aparência: ah, mas nunca ninguém me ensinou a ser vaidosa, nunca ninguém me mostrou como usar maquiagem, cortar o cabelo, tirar sobrancelha, cuidar da pele. Culpa da única mulher da casa: minha mãe!

Meu namorados acabam virando minha mãe postiça: ah, mas alguém tem que cuidar de mim, não é? Quem vai me lavar chá quando eu estiver com dor? Quem vai me embrulhar à noite quando eu estiver com frio? Quem vai me dar conselhos profissionais? Todo mundo teve mãe, mas eu não!

Não me arrisco para nada: ah, mas se der errado quem vai me ajudar a me levantar? Quem vai me dar conselhos? Nunca ninguém me ensinou como fazer para saber se estou errando ou não! Afinal, a vida profissional e financeira da minha mãe sempre foi uma tragédia!

Resumindo: uso toda essa minha sensação de abandono e toda essa minha carência para justificar o fato de que não cuido de mim.

E o que a primeira tarefa do livro ensina?

“As tarefas psíquicas desse estágio da vida da mulher são as seguintes: aceitar o fato de que a mãe psíquica protetora, sempre vigilante, não é adequada para ser guia para a futura vida instintiva da pessoa (a mãe-boa-demais morre). Assumir a realidade de estar só, de desenvolver a própria conscientização quanto ao perigo, às intrigas, à política. Tornar-se alerta sozinha, para seu próprio proveito; deixar morrer o que deve morrer. À medida que mãe-boa-demais morre, a nova mulher nasce.” Capítulo 3.

De todas as mulheres que conheço, a grande maioria precisa se livrar da mãe-boa-demais que as persegue internamente, evitando que elas se joguem aos desafios da vida. “Essas vozes dizem frases como as que se seguem, “ora, não diga isso”, “você não pode fazer isso”, “tudo é perigoso lá fora”, “quem sabe o que será de você se insistir em sair desse ninho quentinho”, “você vai se humilhar, sabia?”, ou ainda, a sugestão mais insidiosa “finja que está se arriscando, mas em segredo continue aqui comigo”.”

Mas e eu, que nunca tive uma mãe-boa-demais me protegendo? “Essa interrupção no processo de iniciação da mulher ocorre por vários motivos, como quando por exemplo (...), não houve uma presença uniforme da mãe “suficientemente boa” nos primeiros anos da vida.”

Do que me adianta eu não estar deixando essa mãe-boa-demais interna me proteger, se continuo incessantemente buscando por ela?

Não! Essa é a hora que eu tenho que entender que estou sozinha, e que se alguém vai me proteger e cuidar de mim sou eu mesma. Mais do que tudo, essa é a hora de eu me libertar de todos esses meus medos vindos do abandono, e começar a me lançar nos desafios da vida, nos problemas a serem resolvidos, usando a minha intuição como guia.

Já era a mãe-boa-demais presente ou ausente, hora de deixar a Mãe Instintiva, a Mulher Selvagem zelar pelos meus passos.

Como? Aguardem as próximas tarefas.

Para me ajudar nesse processo, peguei um caderno usado que estava largado em casa. Eu e os cadernos, rsrsr! Nele vou escrever as minhas pendências, coisas que posso fazer para aprender a me cuidar, e desafios que quero me jogar!

Além disso, cada vez que eu me ver justificando meus atos, vou gritar bem alto dentro da minha cabeça: SE JUSTIFICAR É COISA DE GENTE PEQUENAAAA!!!!

Lição do Dia: aprendendo a cuidar de mim sozinha, usando a minha intuição como guia.

Pendências: Última semana de convênio médico antigo, exames marcados e reunião com o convênio para mudança de plano agendada.

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