sábado, 18 de setembro de 2010

Dia 4 – Os ossos

Eu tive consciência de que era adulta aos 15 anos. Lembro perfeitamente. Foi uma das maiores crises existenciais que eu passei, e levo resquícios dela até hoje. Tive esse insight no meio de mais uma madrugada em claro, e quando caiu a ficha de que a minha vida propriamente dita estava ali na minha frente, eu entrei em choque.

O primeiro pensamento que passou pela minha cabeça foi: daqui há 1 ano eu vou estar cuidando da minha própria vida. Acabando o colégio, hora de enfrentar os vestibulares e entrar numa grande universidade. Não importa qual carreira eu escolha o caminho é o mesmo: faculdade, estágio, primeiro emprego, carreira, salários, contas. Apartamento próprio, mais contas. Especialização, doutorado, curso no exterior, maiores salários, maiores contas. Aposentadoria. Na melhor das hipóteses. Fim.

Na vida amorosa e pessoal o caminho também parecia muito óbvio: conheço um cara bacana, saímos por um tempo, namoramos, noivamos, casamos. Pagamos nossas contas, compramos nosso apartamento, com direito a carro novo na garagem, financiamento de 30 anos, cachorro de uma raça boa para crianças. Filhos. Um no mínimo, dois no máximo. Contas dos filhos: convênio médico, escola boa, material escolar, viagens, curso de inglês e natação, futebol ou ballet, curso pré-vestibular, faculdade particular ou pública (com sorte!). Filhos se formam, casam, saem de casa. Casamento morno, quente ou frio, tanto faz porque sempre temos direito a crises conjugais. Poderíamos vencer as crises, com terapia ou não, talvez nos divorciássemos. Advogados, pensão, guarda dos filhos. De qualquer forma a velhice chegaria, com o primeiro marido, ou com o segundo, ou com nenhum. Convênio médico, hospitais, terapias alternativas, lazer. Aposentadoria, viagens. Asilo ou não. Fim.

Lembro que fiquei horas divagando sobre os diversos percursos possíveis com as variáveis que me eram apresentadas. Mas num todo, a vida seria igual. Não importa se eu casasse ou não, se tivesse filhos ou não, se fosse rica ou pobre, se fosse doente ou saudável, profissionalmente bem sucedida ou um fracasso. Tudo se resumiria a trabalho e contas a pagar. Ponto.

Que merda! Que tipo de ser humano cogita a possibilidade de que essa vida pode ser minimamente incrível?

Sempre sonhei para mim uma vida diferente. Uma vida emocionante, uma vida de liberdades, uma vida sem horários fixos, com muita arte, muitos amores, muitas pessoas e lugares novos para conhecer. Muitas experiências, muitas loucuras, muitas guinadas, muitos momentos de jogar tudo para o alto e começar tudo de novo. Sempre sonhei em viver sendo eu mesma, de acordo com minhas vontades, um dia após o outro, seguindo nada mais além dos meus próprios desejos.

Agora, me perguntem se, com 15 anos, alguém me disse que isso era uma possibilidade? Não! A sensação que eu tinha era que todo mundo sabia que a vida encaminhada para mim seria um merda de qualquer forma, mas como todos vivem assim mesmo, que diferença faz? Siga o plano e tente ser feliz, querida, o mundo é assim mesmo e ninguém disse que seria justo!

Peraí, com que tempo vou procurar minha própria felicidade? Nos finais de semana, nos recessos de natal, nas férias de 30 dias? A vida deveria se resumir apenas em buscar nossa felicidade, e não deixá-la para a hora do almoço numa fila de um restaurante por quilo.

O não querer seguir a ordem artificial da imposta à mim pela minha cultura quase me deixou doente. Minha mãe rapidamente me colocou na terapia. Minha terapeuta me dizia que a vida era assim mesmo. Que se eu olhasse para a escada da vida com medo de pisar nos degraus eu nunca subiria. Que era uma pseudo-depressão comum da adolescência e que passaria. Não passou.

Mas agora, Estou disposta a reunir todas as minhas forças para sentir de novo toda aquela indignação da adolescência, todo aquele sentimento de que eu posso começar a construir a vida que quero para mim.

Assisti um episódio da série sobre a nobreza inglesa "The Tudors", em que o rei Henrique está procurando uma mulher para se casar. Mandou seus assessores para todos os reinos da Europa, mas nenhuma princesa lhe parecia agradável. Num momento de angústia ele diz “O casamento é mais fácil para um plebeu do que para um príncipe. Um príncipe deve escolher qual mulher ele prefere dentre as pretendentes que são boas para a política do reino. Um plebeu tem a liberdade de escolher qualquer mulher que lhe interesse”.

O rei sabia das coisas. Liberdade limitada não é liberdade. Tanto para as mulheres do rei, como para os caminhos da vida.

“Existem alguma boas perguntas a fazer enquanto decidimos qual será a canção, nosso verdadeiro canto. O que aconteceu com a voz da minha alma? Quais são os ossos enterrados na minha vida? Em que condições está meu relacionamento com o Self instintivo? Quando foi a última vez que corri livremente? Como posso fazer com que a vida volte a ter vida? Para onde foi La Loba?

La Loba, a Mulher Selvagem, que canta em cima dos ossos dos lobos para que a carne volte a se criar neles, até que eles levantem e corram.

“Não seja tola. Volte, pare debaixo daquela única flor vermelha e siga em frente percorrendo aquele último e árduo quilômetro. Aproxime-se e bata à porta castigada pelas intempéries. Suba até a caverna. Atravesse engatinhando a janela de um sonho. Peneire o deserto e veja o que encontra. Essa é a única tarefa que temos que cumprir. Está querendo ajuda psicanalítica? Vá recolher os ossos.”

Capítulo 1 – O uivo: A ressurreição da Mulher Selvagem. O Conto: La boba, a Mulher-lobo.

Leia o conto completo 'La Loba, a Mulher-Lobo':
http://querocorrercomoslobos.blogspot.com/p/la-loba-mulher-lobo.html

Lição do Dia: recolhendo os ossos da vida que sonho.

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