sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Dia 49 – E quando o instinto falha?

Capítulo 8 – A preservação do Self: A identificação de armadilhas, arapucas e iscas envenenadas

Conto: Os Sapatinhos Vermelhos
(Link para a história completa no menu à direita)

A mulher braba

“A mulher braba é aquela que um dia viveu num estado psíquico natural — ou seja, em perfeito estado mental selvagem — e que depois se tornou cativa de alguma reviravolta dos acontecimentos, passando, assim, a ser excessivamente domesticada e amortecida nos seus instintos próprios. Quando essa mulher tem a oportunidade de voltar à sua natureza selvagem original, quase sempre ela é vítima de todos os tipos de armadilhas e venenos. Como seus ciclos e seus sistemas de proteção foram manipulados, ela corre riscos naquele que costumava ser seu estado selvagem natural. Já não mais alerta e desconfiada, ela se torna presa fácil.”

Nessa semana eu encontrei uma amiga que não via há tempos. E fiquei arrasada. Essa amiga era uma das mulheres mais instintivas, belas e criativas que eu já havia conhecido. E ela está numa situação que eu não desejo para meu pior inimigo.

S. sempre foi uma garota das artes. Eu digo garota porque é a mais nova do meu círculo social. Ela peitou a família e os amigos para estudar o que sempre sonhou: artes plásticas. Inventiva, criativa e autodidata ela aprendeu quase tudo o que sabe sozinha: devora livros sobre cinema e teatro, se tranca no final de semana para ler e estudar, aprendeu a falar três línguas sozinhas e viaja. Uma de suas maiores paixões é viajar. Com um salário ridículo ela consegue economizar e rodar o mundo pelo menos duas vezes ao ano. É uma verdadeira cidadã do mundo. Por ser muito independente ela mora sozinha desde a maioridade, paga as próprias contas, e não precisa de ninguém.

Mas S. sempre quis uma coisa mais do que todas: um relacionamento. E era logo isso a única coisa que ela não conseguia construir. Ela era a clássica patinha feia dos relacionamentos que, desesperada por encontrar o seu lugar, só escolhia errado: homens gays, casados, comprometidos, muito novos, muito velhos, ixi, era uma desgraça.

Com o passar dos anos essa solteirice forçada foi minando a sua auto-estima. Ela entrou na espiral de mentir para si mesma, se enganar, negar a realidade. Foi se tornando uma mulher desesperada, histérica, enfadonha. Os amigos aconselhavam, mas ela não queria escutar nada de ninguém. Foi ficando triste e cada vez mais sozinha. As pessoas se afastavam e ela começou a se envolver com cafajestes. Foi se machucando, se ferindo, e cada vez se fechava mais. Nós não sabíamos mais o que fazer.

“Se você alguma vez foi capturada, se você alguma vez sofreu de hambre del alma, uma fome da alma, se você alguma vez se sentiu num alçapão e especialmente se você tem uma compulsão a criar, é bem provável que você tenha sido ou seja uma mulher braba. A mulher braba tem em geral uma fome extrema por algo profundo e, muitas vezes, pode ingerir qualquer veneno disfarçado na ponta de uma flecha, na crença de que ele é aquilo pelo qual sua alma anseia.”

Há alguns meses S. encontra um homem que se aproxima dela por causa do seus gostos comuns pelas artes. Desde a primeira vez que ela me falou sobre esse cara meu instinto me alertou que havia algo errado. Eu não sabia dizer porque, mas me parecia que ele dizia para ela exatamente o que ela queria escutar. Ele estava seduzindo S., e ela não estava percebendo. Não foi uma surpresas quando ela me contou que estava completamente apaixonada, que ele era a sua alma gêmea, a sua metade da laranja, e blá, blá, blá. Só havia um problema: ele estava comprometido com outra mulher. E mesmo assim ela aceitou ser sua amante e vê-lo nas condições e horários que ele escolhia.

Eu não fui a única que achei esse cara com uma índole um pouco duvidosa, todos, mas TODOS os nossos amigos em comum alertaram S. que alguma coisa não cheirava bem. Mas ela negava e negava, dizendo que nunca foi tão feliz. O tempo passa e ela começa exigir que ele termine seu relacionamento. Meses de briga e conflito colocaram o fulano contra a parede e por fim ele decidiu dar exclusividade a S. E começaram a namorar.

Eles já estão juntos há 6 meses agora. E como está o relacionamento? Ele vive trabalhando, nos horários mais bizarros da face da terra, pernoita no escritório, passa o final de semana inteiro dormindo na empresa. Ele desaparece durante dias e não dá notícias da onde está. Ele diz absurdos do seu salário, que ganha na casa de milhares de reais por semana, embora o estilo de vida que ele leva não condiz em nada com esse valor. S. não conhece seus amigos, sua família, seus colegas, não sabe o nome da empresa que ele trabalha nem o que ele faz lá. Ele não dá nenhum detalhe da sua vida pessoal. É claro para todo mundo que esse cara está mentindo. Até aí, vamos ser sinceras: não existe nenhum ser humano que não minta. Mas o que anda nos preocupando é: porque ele mente? Ele está escondendo algo atrás dessas mentiras e é de extrema importância que ela descubra o que é para ver se vale a pena continuar investindo nessa relação.

Mas de nada adianta conversar com ela, ela aceita cada explicação furada e o ajuda a se justificar. Eu encontrei com S. nesse final de semana e não poderia ter sido pior: ela está tão cega, que não vê um palmo diante do nariz. Ela perdeu completamente seus instintos, está vulnerável e indefesa e virou presa para esse homem, sem nem perceber o que está acontecendo.

E infelizmente eu só posso esperar que não importa o motivo que ele tenha para mentir que sua índole não seja tão ruim, que ele não seja um homem mal, e que ele não apresente um risco à sua integridade física nem psicológica. Porque convenhamos, seu emocional já está completamente destruído.

Eu vi essa linda mulher selvagem sendo domesticada, e digo para vocês: isso aconteceu porque depois de um longo período negro em sua vida ela desaprendeu a zelar por si mesma e a de proteger das ameaças da vida.

“Para evitar esses ardis e engodos propiciados pelo tempo que a mulher passa no cativeiro e na fome, precisamos ter a capacidade de prevê-los e de nos desviarmos deles. Temos de voltar a desenvolver o insight e a prudência. Temos de aprender a nos desviar. Para poder distinguir as opções corretas, temos de poder ver as erradas.”


Lição do Dia: lembrando dos momentos que eu já me machuquei em armadilhas que não consegui perceber, e aprendendo com os meus erros passados.

Pendências: já me preparando para a minha costumeira depressão de final de ano já aumentei as sessões de terapia.

Leia o conto Os Sapatinhos Vermelhos completo: http://querocorrercomoslobos.blogspot.com/p/os-sapatinhos-vermelhos.html  

Escreva para a Vero: eueoslobos@gmail.com

2 comentários:

Carla Farinazzi disse...

Vero,

Com o tempo vamos levando tantos e tantos tombos, que o nosso joelho e nossas mãos criam couraças de pele grossa. O que acaba nos protegendo. Talvez sua amiga ainda precise cair e cair. Talvez não.
O tempo dirá.
Se acontecer de ela cair, espero que conte com a sua ajuda e amizade. Porque, por mais que estejamos vendo e sentindo a pessoa se auto-destruir, ou se enveredar por uma espiral sem volta rumo ao precipício, não estamos sob a pele dela. Às vezes ela está se iludindo conscientemente.
Às vezes não... Como vamos saber? Mas se realmente gostamos da pessoa, só nos resta ampará-la, ao final, quando tudo desmoronar.
Por mais inconformados que estejamos.
Algumas mulheres se realizam nesse tipo de relacionamento. Não acredito, sinceramente, que seja este o caso de sua amiga.
Mas, lendo seu texto, só me vem à cabeça o depois. Quando tudo dá errado e nos vemos sozinhos. Não permita isso. Seja a companhia.
Porque você é a ideal pra isso... Sei que é difícil assistir e ficar em silêncio. Mas...

Beijos, querida

Carla

Amélie Poulain disse...

Concordo com a Carla!
Fui a mulher domesticada no passado.
Cai e aprendi muito. E muitas vezes.
Hoje consigo ser o suporte para uma grande amiga, que se encontra nesse estado.
Uma hora, ou alguns tombos depois, todas nós acordamos!
Esteja ao lado dela. Mesmo que ela não queira, não saiba ou não perceba.
Você fará toda a diferença quando o pesadelo, que ela insiste em chamar de sonho, acabar.
Beijos!!