terça-feira, 2 de novembro de 2010

Dia 39 – Uma mão amiga

Capítulo 6 – A procura da nossa turma: A sensação da integração como uma bênção

Conto: O patinho feio

O estranho que passava

“A pessoa que talvez pudesse nos tirar do gelo, que talvez até mesmo nos libertasse em termos psíquicos da nossa insensibilidade, não vai necessariamente ser aquela a cujo grupo pertencemos. Pode ocorrer, como na história, mais um daqueles acontecimentos mágicos porém efêmeros que surgem quando menos esperamos, um ato de gentileza de um estranho que passava.”

Esse assunto é um dos meus temas prediletos para jogar conversa fora quando estou numa mesa de bar. Você já recebeu a visita na sua vida de um estranho que te trouxe uma orientação ou uma ajuda, e que sumiu logo depois? Isso já aconteceu comigo umas três ou quatro vezes. É de arrepiar quando eu me lembro. Ainda mais por não ser religiosa, não acreditar em anjos e coisas do tipo. A explicação que eu dou para esse tipo de coisa é: uma pessoa olha para a gente e, de alguma forma, nos lê, nos entende e se conecta, causando uma experiência humana inesquecível.

Experiência 1: Eu tinha 20 anos de idade e namorava o cara que viria a ser meu primeiro marido. Na época eu estava sentindo uma paixãozinha por um colega de trabalho, que percebia e me tentava todos os dias. Eu não parava de pensar nas minhas escolhas: devo deixar de fazer algo que quero muito por causa das convenções sociais? Devo abrir mão de uma experiência gratificante e pessoal, por causa de outra pessoa? Vale a pena arriscar o meu relacionamento por uma paixonite? Se for só sexo, que mal faria?

Um dia, eu caminhava para o trabalho e um senhor de seus 60 anos para ao meu lado na calçada e começa e dizer o quando eu era bonita. Putz, levar cantada às 7 da manhã de um senhor é o fim, pensei eu. Não satisfeito, ele resolve continuar a conversa caminhando ao meu lado. Resumindo, o que ele me disse foi o seguinte: ‘Não estou te elogiando como homem sabe menina, estou te elogiando como um velho que não teve filhos, imaginando que se eu tivesse, gostaria que ele se casasse com uma menina como você. Infelizmente a vida não me deu descendentes para eu poder compartilhar minha experiência! Mas quando eu te vi, não pude evitar parar e te dar um conselho. Se tem uma coisa que eu acho que é a lição mais importante para os jovens é: só faça sexo se for com amor. Não troque sexo carinho, repeito e amor por uma noitada! Não faça sexo com quem não se interessa pela sua alma. Exija do cara com quem você for dormir, a se interessar por você por inteira. Não exija menos do que isso!  Não se machuque nem estrague a sua vida por um momento de prazer.’ Depois de dizer isso o senhor simplesmente virou em uma esquina e foi embora.

Até hoje eu não consigo explicar: quem foi esse estranho que veio me aconselhar exatamente sobre o assunto que eu precisava? Nem preciso dizer que depois disso, a cada investida do colega de trabalho eu me lembrava automaticamente das palavras do velho.

Experiência 2: Quando eu me sinto acuada diante da vida e não consigo identificar aonde está o problema, eu jogo tudo para o alto na tentativa de começar tudo do zero. É uma tendência que eu tenho super difícil de se controlar. Foi o que fiz naquela época: larguei o namorado, larguei o trabalho, larguei o apartamento em que eu estava, larguei a faculdade. Me rebelei contra tudo e contra todos! Não queria ver ninguém, não queria conversar com ninguém. Arrumei um bico qualquer para fazer e escolhi o horário da madrugada. Já que eu não conseguia dormir mesmo, minha insônia pelo menos me renderia um salário. A única coisa que eu conseguia fazer era trabalhar e dormir. Abandonei todos os planos e comecei a viver com um salário mínimo. E não ligava! Ganhava por dia, e gastava tudo no mesmo dia. Até então eu não sabia que estava vivendo o auge do que a minha terapeuta chamaria mais tarde de limbo psicológico.

Eu trabalhava numa casa de shows de comédia stand up. Numa noite, enquanto eu organizava a fila de entrada, uma garota que era claramente uma prostituta entra na fila. Nós tínhamos regras rígidas para impedir que as profissionais se misturassem com os nossos clientes. O pessoal ia lá para rir, e não para pagar por companhia. Perguntei educadamente se ela tinha mesa reservada ou se esperava mais amigos. Ela disse que não. Perguntei gentilmente se ela pretendia entrar sozinha. Ela olhou bem nos meus olhos com um semi sorriso nos lábios e disse: ‘Sim, estou sozinha. E sim, sou uma garota de programa. Vim assistir um show de comédia e me divertir um pouco, porque quando eu sair daqui o trabalho começa e a minha vida não é nem um pouco engraçada’.

Deixei ela entrar, um pouco surpresa. Ela pegou um lugar no balcão do bar, assistiu o show inteiro, e gastou bastante entre o jantar e os drinks. No final da noite ela veio se despedir antes de ir embora: ‘Obrigada por ter me deixado entrar. Eu entendo que as regras são feitas para serem cumpridas e mesmo assim você passou por cima delas. Só queria te dizer uma coisa: o seu lugar não é aqui! Não sei o que passa pela sua cabeça, não sei o que fez você vir para cá, mas você não pertence a essa vida que está levando. Você não é como eu, você tem potencial para fazer o que bem entender, então deixa de ser idiota e comece a fazer o que é necessário para ser feliz!’. E simplesmente foi embora...

Gente, eu levei um esporro de uma garota de programa que me conhecia há menos 2hs! E o pior é que o que ela me disse foi um tapa na minha cara! Essa conversa mudou alguma coisa dentro de mim. Não sei quem era ela, o que ela queria, nem porque raios perdeu o seu tempo vindo falar comigo. Mas foi por causa daqueles 2 minutinhos de bronca, que eu resolvi que não queria mais aquela vida para mim. E fui procurar ajuda.

“Não estamos falando agora de contos de fadas, mas, sim, da vida real. Qualquer que seja, é um tempo em que o espírito, de um modo ou de outro, nos sustenta, nos puxa do fundo, nos mostra a passagem secreta, o esconderijo, o meio de escapar. E essa chegada quando estamos por baixo e nos sentimos numa tempestade sombria ou numa calmaria sinistra é o que nos empurra pelo canal que leva ao próximo passo, à próxima fase no aprendizado de ganhar força no isolamento.”

Todos os meus amigos têm histórias desse tipo para contar! A sensação que tenho, é que acontece com quase todo mundo em algum momento da vida. E vocês, já receberam a visita de um estranho que passava?


Lição do Dia: agradecendo os conselhos que chegaram até mim.

Pendências: aproveitando o feriado para abrir caixas antigas e limpar os ambientes.

Escreva para a Vero: eueoslobos@gmail.com

Um comentário:

Amélie Poulain disse...

Hoje vc foi a mão amiga que eu tanto precisava!

Beijos!!!!