quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Dia 54 – Cativeiro da alma

Capítulo 8 – A preservação do Self: A identificação de armadilhas, arapucas e iscas envenenadas

Conto: Os Sapatinhos Vermelhos
(Link para a história completa no menu à direita)

Armadilha n° 3: A queima do tesouro, hambre del alma, a fome da alma

“Existe o fogo que acompanha a alegria, e o fogo que acompanha a destruição. Um é o fogo da transformação; o outro, o fogo apenas da dizimação. No entanto, muitas mulheres renunciam aos seus sapatos vermelhos e concordam em se tornar limpas demais, educadas demais, submissas demais à visão de mundo das outras pessoas. Estamos entregando nossos alegres sapatos vermelhos ao fogo destrutivo quando digerimos valores, propagandas e filosofias por atacado, incluindo-se aí as de natureza psicológica.”

Diversas vezes Clarissa nos conta que a fome da alma é conseqüência de um tempo em que as mulheres permanecem em cativeiro. Não um cativeiro físico, mas um cativeiro psicológico que é conseqüência de um longo período em que elas abdicaram de suas idéias e de seus sonhos, até transformar seu desejo de viver em cinzas. È um cativeiro da alma.

É difícil para muitas mulheres que já estiveram nessa situação perceber quando foi que elas entraram nesse cativeiro. Porque obviamente nenhuma pessoa em sã consciência faria isso. Normalmente a percepção vem depois que saímos dele, quando olhamos para trás e pensamos ‘Como é que eu fui deixar isso acontecer?’.

A maioria dos relatos que eu já escutei de mulheres que saíram de uma depressão da alma falam sobre situações na vida aonde abandonamos a nossa liberdade de escolha e vamos seguindo o fluxo, simplesmente respondendo as circunstancias, como uma folhinha sendo levada pelo vento. E eu entendo, porque também já passei por isso.

Eu era muito nova e ainda não estava sensibilizada para tomar minhas decisões com base dos meus desejos mais profundos. Olhava o mundo ao meu redor e nenhum das opções que me eram apresentadas pareciam atraentes. Mas como não podia ficar parada, entre seguir os meus sonhos ainda desconhecidos e optar por caminhos desagradáveis, acabei escolhendo não fazer nada. Quando digo nada, não quero dizer ficar em cada assistindo televisão. Digo nada, porque aceitei qualquer coisa que aparecesse pelo meu caminho. Apareceu um emprego que eu não amo, mas que também não odeio? Aceitava. Aparecia um curso que eu não amava, mas também não odiava? Fazia. Aparecia um cara bacana por quem eu não estava apaixonada, mas também não desprezava? Namorava. Aceitava o que a vida me trouxesse sem fazer a pergunta mais importante: ‘O que minha alma quer?’.

“Uma quantidade excessiva de mulheres fez um voto terrível anos antes de serem capazes de um melhor discernimento. Ainda jovens, faltaram-lhes o apoio e o estímulo básicos; e assim, cheias de mágoa e resignação, elas pousaram suas canetas, calaram sua voz, desligaram seu canto, enrolaram suas telas e juraram nunca mais voltar a tocar neles. A mulher que esteja em condições semelhantes entrou, sem perceber, no forno junto com a vida da sua própria criação. Sua vida fica reduzida a cinzas.”

Anos mais tarde percebi que havia perdido completamente o rumo da minha vida. Por nunca ter nem sequer exercitado a auto-analise me vi vivendo uma vida que não havia sido construída por mim, mas que havia se formada por diversas pequenas decisões que eu nem me lembrava de ter tomado.

Quando eu tive consciência disso, coloquei como objetivo principal sair daquele cativeiro. A primeira coisa a fazer era me livrar de responsabilidades e atividades que não me diziam respeito. Abandonar estudos e trabalhos que não tinham nada em comum comigo. Abrir mão de parceiros e amigos que não me agregavam nada. Se eu não tivesse feito isso, eu provavelmente só perceberia o cativeiro em que estava vivendo muitos anos depois, e provavelmente já estaria sem forças para dele sair. Vislumbrar isso me fez temer ser uma daquelas mulheres que passam a última metade da sua vida raivosas e ressentidas por nunca terem tido a vida que queriam ter.

“É possível que a vida de uma mulher definhe no fogo do ódio a si mesma, pois os complexos corroem fundo e, pelo menos por algum tempo, conseguem manter a mulher afastada do trabalho ou da vida que realmente importam para ela. Muitos anos se passam sem que ela ande, se mexa, aprenda, descubra, obtenha, assuma, sem que se transforme.”

Mas sair do cativeiro foi apenas o primeiro passo. O que vem depois? Eu sentia essa fome de viver, sentia essa vontade de acontecer, mas não conseguia saber do que. E a primeira coisa que topou comigo pelo caminho foi o sujeito do post Dia 8. Se você leu a história, agora sob a óptica da fome da alma vão entender porque me enfiei num relacionamento destrutivo. Fica claro porque meu instinto falhou em me proteger e porque eu demorei para perceber que não era aquele homem que eu queria. Eu queria ser feliz, e como não era feliz há muito tempo projetei todos os meus sonhos de felicidade numa relação que nunca me traria isso.

“A idéia de que a fome pode mudar o comportamento dos seres vivos tem grande significado para as mulheres de alma faminta porque, em nove entre dez casos, a mulher com um problema espiritual/psicológico que a faz cair em armadilhas e se machucar seriamente é uma mulher cuja alma está sendo atualmente, ou foi no passado, submetida à fome.”

O mesmo vale para a minha amiga S., história que relatei ainda essa semana. Por mais que eu tente explicar para ela o que está acontecendo essa é a primeira vez em muito tempo que ela vê uma faísca de alegria. Como explicar para ela que essa faísca é apenas uma ilusão e que a verdadeira felicidade deve vir da construção da sua própria vida e não do relacionamento? Realmente existem coisas na vida que só percebemos quando vivemos.

“A aniquilação através de excessos, ou seja, os comportamentos exagerados, é a reação da mulher que está faminta por uma vida que tenha significado e faça sentido para ela. Quando uma mulher passou longos períodos sem seus ciclos ou sem suprir suas necessidades criativas, ela começa a se exceder — seja no que for —: álcool, drogas, raiva, espiritualidade, opressão generalizada, promiscuidade, gravidezes, estudo, criação, controle, instrução, organização, forma física, comidas pouco saudáveis, para citar apenas algumas áreas em que os excessos são comuns. Quando a mulher age assim, ela está procurando compensar a perda dos ciclos regulares de expressão de si mesma, expressão da alma, da satisfação da alma.”


Lição do Dia: lembrando aterrorizada dos meus tempos de cativeiro.

Pendências: dando meu ombro para uma amiga com problemas.

Leia o conto Os Sapatinhos Vermelhos completo: http://querocorrercomoslobos.blogspot.com/p/os-sapatinhos-vermelhos.html  

Escreva para a Vero: eueoslobos@gmail.com

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