quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Dia 61 – Cuidado: recaídas!

Capítulo 8 – A preservação do Self: A identificação de armadilhas, arapucas e iscas envenenadas

Conto: Os Sapatinhos Vermelhos
(Link para a história completa no menu à direita)

Na casa do carrasco: A tentativa de tirar os sapatos, tarde demais

“Quando a natureza selvagem quase foi exterminada, nos casos mais extremos, é possível que uma deterioração esquizóide e/ou uma psicose possam dominar a mulher. De repente ela pode simplesmente ficar na cama, recusar-se a se levantar, vaguear de um lado para outro de roupão, esquecer distraída cigarros acesos, três em cada cinzeiro, chorar sem conseguir parar, passear descabelada pelas ruas, abandonar a família de repente para vaguear por aí. Ela pode ter tendências suicidas; ela pode se matar acidentalmente ou de propósito. No entanto e muito mais comum é o fato de a mulher simplesmente ficar entorpecida. Ela não se sente nem bem nem mal; apenas não sente nada.”

E aí vemos de novo o famoso limbo psicológico.

Eu não sei se vocês sabem, mas eu estou lendo o livro conforme vou postando aqui no blog. O mais impressionante dessa minha leitura é que eu não sei qual será a próxima parte da história, é tanto uma surpresa para vocês como para mim. No primeiro post do blog eu descrevi porque comecei a escrever: fazia parte da minha terapia acompanhar dia-a-dia a minha saída do limbo.

Em todos os contos de fadas citados no livro aprendi valiosas lições de como me levantar novamente, e me identifiquei com diversas protagonistas das histórias, aprendendo as lições juntamente com elas enquanto lia sobre as suas jornadas. Olhem só que interessante: eu estava no limbo psicológico, mas não sabia porque. Agora, já entrando na fase final do conto Sapatinhos Vermelhos, vejo a autora explicando que esse limbo, esse não sentir nada, é exatamente o ponto crítico após a mulher se desconectar completamente do seu lado selvagem, conseqüência do cativeiro emocional.

Eu recebo muitos e-mails me parabenizando pela minha melhora, mesmo eu nem sempre percebendo que os meus textos relatam esse processo. Não sei se consigo demonstrar para vocês o quanto essa ‘melhora’ é trabalhosa. Dia a dia, semana a semana, eu percebo que estou voltando a me sentir bem. É um trabalho árduo e sei que vai continuar acontecendo por muitos e muitos anos. A construção de uma boa auto-estima e de uma vida condizente com a minha alma é um trabalho para a vida toda.

Tenho muitíssimas recaídas, o que prova que ainda não posso largar a terapia. Como é difícil abandonarmos certos padrões nossos de comportamento! Eles estão praticamente ligados no piloto automático e tendem a dominar a minha rotina se eu não mantê-los sob constante supervisão. Como é difícil percebemos que certos comportamentos que eram válidos na infância não são mais na vida adulta, e precisamos nos separar deles. Hoje eu quero compartilhar com vocês algumas das maiores dificuldades que tenho lidado nos últimos meses.

A minha maior dificuldade, ganhando de longe de todas as outras, foi tomar a minha vida de volta para as minhas mãos. Quando estamos num processo de limbo não conseguimos mais sentir nem tristeza e nem prazer. Começamos a viver um dia após o outro, sobrevivendo ao invés de viver, sendo levadas pelos acontecimentos, como se fossemos espectadoras da nossa própria vida. Própria vida? Esse conceito também acaba perdendo sentido. A vida se torna um amontoado de tarefas e responsabilidade que continuamos fazendo sem tomar nenhuma decisão. As palavras ‘sonhos’, ‘desejos’ e ‘planos’ também perderam sentido. Não temos vontade, nem desejo de mudar nada, de fazer nada. Apenas me deixem aqui quietinha, vou fazer o que esperam que eu faça e voltar para meu cantinho do conforto. Essa foi a parte mais difícil de todas: voltar a sentir tesão pelas coisas, pegar a responsabilidade de me fazer feliz, voltar a produzir, a fazer planos, a desejar.

Quando comecei a sentir novamente essa emoção de que a vida pode ser uma aventura, tive que lidar com outro sentimento: a frustração. Porque quando decidimos deixar de ser vítimas, aceitamos que somos totalmente responsáveis pelo que fazemos, e se fracassamos a culpa é nossa também. É nesse momento que paramos de reclamar e colocar a culpa no universo e olhamos para os nossos próprios erros. Lidar com a frustração das coisas darem errado é o segundo desafio mais difícil que ando enfrentando. Quando não tive um dia bom a primeira coisa que vem à minha cabeça é: ‘Não!! Se as coisas continuarem dando errado o que eu vou fazer? Por quanto tempo vou conseguir manter a minha motivação para seguir adiante? Não vou ter forças para enfrentar tudo de novo!’, e rezo para que alguma coisa, por menor que seja, dê certo.

E aí chego no meu terceiro maior desafio: aprender a me sentir realizada com as pequenas coisas. Hoje eu já consigo ficar radiante com várias pequenas realizações: conseguir escrever meus gastos no papel, conseguir negociar uma das minhas dívidas, conseguir ir nas consultas médicas. Quem olha de fora não entende nada, mas eu viro uma criança em manhã de natal quando cumpro algum compromisso!

A quarta maior dificuldade é a parte de voltar a cuidar de mim. Esquecemos o quanto precisamos de carinho e o quanto receber cuidados é prazeroso. Mas nessa fase já não somos mais um bebê chorando por atenção e cuidados, nem mais podemos ficar sentadas culpando mãe, pai e namorado por não terem dado atenção suficiente. Estou aprendendo aos poucos que quem tem que cuidar de mim sou eu mesma. Eu sou meu próprio bebê, minha própria criança, e eu sou o adulto que vai cuidar de mim mesma. E esse cuidar é muito amplo: eu vou cuidar do meu sono, eu vou cuidar da minha comida, eu vou cuidar da minha pele, eu vou cuidar da minha vida.

E aí eu chego na quinta é última maior dificuldade:a  transformação! Meu deus, se eu soubesse que perder maus hábitos era assim tão difícil, juro que não teria os desenvolvido! Tantos os hábitos rotineiros como comer bem, dormir bem, chegar no horário, quanto os mais enraizados: cuidar dos seus pensamentos, cuidar dos seus ambientes físicos e psíquicos, parar de reclamar, parar de se fazer de vítima, entender os meus sentimentos, parar de me auto-boicotar, terminar as coisas que começo. Largar os vícios, os relacionamentos destruidores, os prazeres efêmeros, os tais sapatinhos vermelhos.

E quando sinto que estou numa curva ascendente da cura, ainda sou obrigada a escutar dos mais próximos: ‘Uau, você está ótima, agora quais são as suas metas para o futuro?’. Amigo, você tem idéia que antigamente eu mal conseguia dormir? A única meta que tenho hoje é voltar a me reconstruir por dentro. Perto dessa minha jornada de auto-conhecimento, não me venha falar de cargos e salários, isso é perfumaria. Entendem como isso parece superficial para mim agora? Só vou conseguir focar na minha vida profissional, quando eu me sentir inteira novamente. Um passo de cada vez...

“É, a dor chega quando a pessoa se vê separada dos sapatinhos vermelhos. Essa separação é, porém, a nossa única esperança. Ela vem repleta de bênçãos incondicionais. Os pés vão crescer de novo; vamos descobrir nosso próprio caminho; vamos nos recuperar; um dia vamos voltar a correr, saltar e pular. Quando isso acontecer, a nossa vida feita à mão estará pronta. Nós a assumiremos e nos encheremos de espanto por termos tido a sorte de ter mais uma oportunidade.”


Lição do Dia: orgulhando-me do caminho que percorri até chegar aqui!

Pendências: preciso continuar me esforçando para focar nos problemas mais importantes, e não na perfumaria.

Leia o conto Os Sapatinhos Vermelhos completo: http://querocorrercomoslobos.blogspot.com/p/os-sapatinhos-vermelhos.html  

Escreva para a Vero: eueoslobos@gmail.com

2 comentários:

Carla Farinazzi disse...

Vero,

Um dos posts mais lindos, com certeza. Pelo menos pra mim. Todos eles foram lindos, e uma jornada até aqui.
Mas o de hoje foi sensacional.
Eu me vi neste post. Eu me enxerguei nele. Fiquei tão emocionada e feliz que o indiquei pra uma amiga, a VaneZa. Porque a enxerguei também nesse texto.
Algumas coisas são muito semelhantes nas vidas nossas. Mas apenas algumas pessoas tem coragem de tornar isso público!
Você é admirável, Vero

Assim como a Vaneza, que tem coragem de expor muitas coisas no blog dela, o Balzaquiana com Z.

Beijos, minha querida

Carla

Verônica disse...

Puxa Carla, obrigada!

Acho que você tem idéia do quanto é difícil colocar em palavras alguns sofrimentos nossos...
Sem esse feedback de vocês eu não sei se continuaria firme e forte!

Beijos,

Vero.