segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Dia 59 – Nossos sapatinhos vermelhos

Capítulo 8 – A preservação do Self: A identificação de armadilhas, arapucas e iscas envenenadas

Conto: Os Sapatinhos Vermelhos
(Link para a história completa no menu à direita)

Armadilha n° 8: A dança descontrolada, a obsessão e dependência

E chegamos enfim na última armadilha descrita por Clarissa. Quando perdemos completamente os nossos instintos que protegem a nossa integridade psíquica, quando tentamos ser boazinhas para sermos valorizadas pelos outros, quando tentamos ter uma vida dupla: viramos vítimas de nosso próprio desespero.

Os Sapatinhos Vermelhos que ficam presos aos pés da menina e que a obrigam a dançar compulsivamente sem parar nada mais são do que o simbolismo para as nossas próprias obsessões das quais viramos vítimas, e não senhoras. E isso acontece com qualquer mulher que tendo perdido sua alegria de viver, projeta sua satisfação pessoal em qualquer coisa de fácil alcance que causa mais dor do que prazer. É quando compramos gato por lebre, casamos com um sapo em vez de um príncipe, nos jogamos no poço em vez de seguir o caminho.

Eu sou uma pessoa noturna. Já fui diagnosticada por diversos médicos com uma pessoa vespertina. Isso significa que acordar cedo para mim sempre foi a mais dolorosa de todas as obrigações. De manhã eu não consigo render, não sou produtiva, tenho um mau humor crônico, e tudo o que consigo pensar é: ‘porque eu simplesmente não posso estar na minha cama dormindo?’.

Durante anos eu me obriguei a estar de pé muito cedo para cumprir as obrigações que são base de uma vida adulta. Foi um período difícil e de muito sacrifício pessoal. Isso me deixava deprimida, porque tudo o que eu queria era poder aproveitar a parte mais gostosa da vida: a noite. Tentei então levar uma vida dupla: ficava acordada até muito tarde e mesmo assim estava de pé de manhã. Isso quase acabou comigo. Quando me rebelei contra os horários comerciais eu decidi que nunca mais minha vida eu iria me obrigar a acordar cedo. Coloquei como única e exclusiva meta na minha vida ser dona dos meus próprios horários.

Quando fiquei deprimida e entrei num limbo psicológico me lembro que tinha a sensação de que a única coisa na vida que eu tinha poder para controlar eram os meus horários. Como esse era aparentemente o único raio de liberdade que eu via, fiquei obcecada pela noite. Parei de dormir. Passava noites e noites em claro. Ia trabalhar sem ter dormido nem uma horinha sequer. Abandonei empregos ótimos porque não conseguia chegar no horário. Comecei a não conseguir cumprir nenhum compromisso. Minha insônia virou uma doença. Eu chegava em casa completamente esgotada e sem energia mas não permitia que meu corpo descansasse: eu me mantinha acordada para fazer qualquer coisa estúpida que aparecesse. Quando eu me permitia dormir, só conseguia ter algumas horas de sono. No dia seguinte eu acordava como se tivesse sido atropelada por uma manada de elefantes. E o ciclo continuava no dia seguinte, e no outro. Isso durou anos!

Assim como a minha insônia virou uma obsessão porque eu sentia que a minha última gota de liberdade estava no controle dos meus horários, diversas mulheres em cativeiro projetam suas liberdades em ‘sapatinhos vermelhos’. Esses ‘sapatinhos vermelhos’ podem ser qualquer coisa ilusória que nos dá a sensação de que podemos ser plenas novamente: um relacionamento, um homem, um emprego, compras, bebidas, exercícios físicos, dietas, drogas, sexo, e por aí a fora.

Uma amiga minha está completamente obcecada com a idéia de se casar que não consegue pensar em mais nada que a faça feliz. Sua vida está uma bagunça total e ela projetou a saída do seu cativeiro com a consumação de um casamento. Nem preciso dizer que essa obsessão vai destruí-la a longo prazo não é? Que condições ela tem nesse momento de criar um vínculo saudável e escolher um parceiro adequado? Nenhuma!

Se você percebeu que está num cativeiro emocional repare se não transformou alguma coisa em sua vida em ‘sapatinhos vermelhos’, numa obsessão vazia de sentido. Se ver que transformou, está na hora de virar o jogo e não se tornar vítima de uma coisa que você mesma criou. Se ainda não chegou nesse estágio, parabéns! Agora agüente mais um pouco e procure a verdadeira saída desse poço sem cair em nenhuma outra armadilha!

"Ela precisava somente de uma sábia imagem interna à qual pudesse se agarrar, um resquício de instinto que durasse até que ela pudesse dar início ao longo trabalho de reformulação do instinto e da percepção íntima. Ela só precisava dar ouvidos à voz selvagem que vive dentro de todas nós, a que sussurra, ‘fique aqui o bastante... fique o tempo necessário para reanimar sua esperança, para abandonar seu sangue-frio terminal, para renunciar a meias-verdades defensivas, para se insinuar, para abrir caminho com precisão ou com violência; fique aqui o suficiente para ver o que é bom para você, para se fortalecer, para fazer aquela tentativa que terá sucesso; fique aqui o suficiente para completar a corrida, não importa quanto tempo demore ou de que forma isso ocorra’.”

Lição do Dia: pensando nos meus próprios ‘sapatinhos vermelhos’.

Pendências: percebendo que ando empurrando com a barriga algumas tarefas do trabalho.

Leia o conto Os Sapatinhos Vermelhos completo: http://querocorrercomoslobos.blogspot.com/p/os-sapatinhos-vermelhos.html  

Escreva para a Vero: eueoslobos@gmail.com


2 comentários:

Amélie Poulain disse...

Minha lição do dia: Jogar fora todos os sapatinhos vermelhos, que tanto me impedem de caminhar...

Verônica disse...

Sabe Amélie, o mais difícil pra mim tem sido conseguir identificar quais são eles... Mas com dedicação vamos conseguir identificar e abadonar um por um!

Beijos,

Vero.