quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Dia 41 – Não me julguem

Capítulo 6 – A procura da nossa turma: A sensação da integração como uma bênção

Conto: O patinho feio
(Link para a história completa no menu à direita)

Os gatos desgrenhados e as galinhas vesgas do mundo

“O gato desgrenhado e a galinha vesga consideram as aspirações do patinho estúpidas e sem sentido. Isso dá exatamente a perspectiva correta quanto à suscetibilidade e aos valores daqueles que criticam quem não é igual a eles. Quem esperaria que um gato gostasse da água? Quem iria pensar numa galinha nadando? É claro que ninguém. No entanto, com enorme freqüência, do ponto de vista do proscrito, quando as pessoas não são parecidas, é o proscrito que é inferior, não o outro.”

Eu vou aproveitar aqui essa bronquinha que Clarissa dá sobre acharmos que as idéias diferentes das nossas são inferiores, para escrever um pouco mais a meu respeito. Já recebi e-mails de leitoras que perguntavam coisas do tipo ‘Mas quantos namorados você já teve?’ ou ‘Porque os relacionamentos são tão importantes para você?’. Respondo agora.

Eu tenho uma alma bastante libertária. Costumo bater de frente com tudo o que tenta ou tende me manter presa ou me doutrinar. Sempre fui assim. Desde muito nova eu achava relacionamentos um negócio engraçado. Lembro que perguntei para a minha mãe com uns 14 anos de idade ‘Mãe porque você é casada com o papai? Não entendo porque vocês estão juntos, não seria mais legal cada um morar na sua própria casa?’. Sim, eu perguntei isso na melhor das intenções. Detalhe: o casamento dos meus pais é um dos únicos que conheci que considero realmente bem sucedido. Imaginem então o susto da minha mãe quando escutou isso. ‘Porque eu amo seu pai e ele me ama, por isso continuamos casados!’, ela respondeu em choque. No que eu logo lancei ‘Mas o que uma coisa tem com a outra? Vocês podem continuar se amando, mas cada um vivendo a sua própria vida!’.

Mas que graça eu era com 14 anos, não? E se eu disser agora para vocês, que as minhas idéias sobre relacionamento permanecem as mesmas desde então? Sim, isso mesmo! Eu ainda considero amor e casamento duas coisas completamente diferentes, embora, muitas vezes, sejam complementares.

Eu não entendo, do fundo do meu coração, porque as pessoas esperam de mim que eu me case com um homem que eu amo. Eu já amei muitos homens, pretendo amar mais vezes ainda, e continuo achando que casamento não tem absolutamente nenhuma relação com o que sinto.

Desde muito nova sempre consegui me envolver afetivamente com mais de uma pessoa ao mesmo tempo. Eu não estou dizendo que eu DURMO com vários homens ao mesmo tempo, estou dizendo que eu me envolvo amorosamente com mais de um. Sei que é difícil para muita gente entender. Vou tentar me explicar melhor.

Situação real que aconteceu no passado: eu estava namorando um homem que eu amava muito, estava me sentindo muito feliz com ele, e orgulhosa da nossa relação. Disponibilizava grande parte do meu tempo para investir nessa relação, e era totalmente correspondida. Mas, eu ainda amava muito o meu ex-namorado, com quem eu terminei por problemas de convivência e não de falta de sentimentos. O que eu sentia pelo meu ex e o vínculo forte que ainda tínhamos não interferia em absolutamente nada no meu relacionamento principal. Muito pelo contrário: namorar um homem que eu amava e ser melhor amiga de outro que eu também amava, me transformava numa pessoa plenamente feliz. E logo, eu era uma namorada muito melhor também. Nunca permiti que uma relação interferisse na outra, ainda mais porque acho que o que eu sinto e com quem me relaciono só me diz respeito e a mais ninguém.

Depois de um ano assim eu conheço um outro cara muito bacana por quem me apaixono. Veja bem: essa paixão, por mais avassaladora que tenha sido, também não interferiu em nenhum dos outros relacionamentos que eu tinha. O mais incrível é que nessa paixão também fui correspondida. E aí surgiu o conflito: se eu deixasse de viver essa paixão eu estaria boicotando minha própria liberdade e meu próprio desejo. Mas, se eu me dispusesse a vivê-la, estaria traindo meu namorado e o magoando. E essa traição seria apenas aos olhos dele, porque na minha opinião se não vai interferir no relacionamento não é traição. Meu amor não diminui se eu me envolvo com outra pessoa.

O que aconteceu? Eu resolvi ser fiel. E tomar essa decisão me machucou tanto, mas me machucou tanto, que meu namoro foi pro saco. Me ligar à apenas um parceiro sempre me trouxe um sentimento de perda terrível, como se eu estivesse boicotando a minha liberdade e podando a parte mais vital da minha vida: os meus amores.

Eu já passei por diversos tipos de relacionamento, inclusive uma tentativa de casamento. Nunca me senti plenamente satisfeita em nenhum deles. Quando estou com um parceiro fixo me sinto realizada e orgulhosa do meu amor, mas não deixo de criar vínculos afetivos e amorosos com outras pessoas. Com cada um desenvolvo um vínculo especial, íntimo e único, e não costumo me relacionar com alguém apenas por sexo.

O que posso fazer então? Há 11 meses fui praticamente forçada a entrar num relacionamento monogâmico pelo meu parceiro, que não entendia meu ponto de vista. Ele, como muitos homens, acham que a fidelidade amorosa das mulheres é prova do seu amor. Atualmente temos uma relação séria e estável, e tentei transformar as outras relações lindas que tinha em apenas boas amizades. E eu sei que essa situação é um efeito estufa para meu relacionamento...

Há tempos quero desabar sobre isso aqui no blog, mas estava meio com medo de julgamentos. Ler esse trecho do livro de Clarissa me fez lembrar que eu não devo justificativas à ninguém, porque cada um vive à imagem e semelhança do que acredita. Eu acredito em amores. Eu não que casamento seja uma opção viável para mim.

Eu quero que nesse momento você que está lendo tente não julgar algo diferente do que você acredita, como pior ou ruim. Escute há décadas repreensões de pessoas próximas dizendo que era imaturidade da minha parte, eram os hormônios, que quando eu ficasse mais velha passava. Fiquei mais velha, não passou. Acusaram-me de revolta, de revolução, de ter a intenção de chocar. Não é. É dessa forma que eu amo. E ponto.

Sei que na sociedade que vivemos a poligamia é absurda e não há espaço para alguém como eu viver plenamente confortável. Mas eu ainda procuro encontrar alguma forma de relacionamento que se encaixe com a minha forma de ser. Por isso me relaciono muito. Por isso não tenho pudores de terminar um relacionamento e começar outro logo em seguida. Digo que estou experimentando e, enquanto faço isso, conheço pessoas maravilhosas, amo muito e intensamente, sou amada da mesma forma, e me melhoro como pessoa cada vez mais.

Já me torturei demais tentando entrar pro clube do gato desgrenhado e da galinha vesga. Não dá. Simplesmente não faz parte de mim.

“Embora a mulher possa parecer desmiolada, quando perdeu o contato com a vida que mais valoriza, e esteja correndo de um lado para o outro tentando reconquistá-la, na maioria das vezes ela está recolhendo informações, provando um pouco disso aqui, agarrando com uma patada um pouco daquilo lá. O máximo que se pode fazer seria explicar sucintamente o que ela está fazendo e deixá-la em paz. Assim que ela processar todas as informações das pistas recolhidas, ela voltará a se movimentar de modo deliberado. E então o desejo de pertencer ao clube do gato desgrenhado e da galinha vesga acabará desaparecendo totalmente.”

Lição do Dia: não permitindo julgamentos do gato e da galinha.

Pendências: conseguindo acordar ainda mais cedo do que na semana passada.


Escreva para a Vero: eueoslobos@gmail.com

Um comentário:

Carla Farinazzi disse...

Depois desse post, mais do que nunca, indico seu blog, de coração, para o Prêmio Dardos. Um selo super bacana, e eu faço questão de dá-lo a você por tudo o que já me fez sentir lendo seus posts tão lucidamente maravilhosos.

Vero, a respeito desta última postagem, te mandei no e-mail, tá?
Passa lá no PBI pra pegar seu selo... É que você merece muito

Beijos

Carla